Opinião: Vender o carro para comprar combustível
Também usa pistola é um facto. Não era suposto ser um assalto, mas cada vez mais se parece com tal. A composição dos preços dos combustíveis em Portugal sempre foi algo discutível devido à elevadíssima carga fiscal, mas o sucedido durante esta pandemia faz esta temática assumir contornos de quase massacre.
Com a matéria-prima em mínimos históricos no início da pandemia, os valores dos combustíveis nunca acompanharam essa tendência de forma proporcional. Agora com o preço do petróleo a valorizar-se nos mercados internacionais, o resultado chega rapidamente a todos os postos de combustíveis do nosso território sob a forma de aumentos muito significativos.
Pela carga fiscal que suportam, temos que considerar os combustíveis um bem de luxo. Mas questiono, quantos de nós, enquanto consumidores ou nas nossas empresas, podem abdicar da utilização deste luxo? Considerando o nosso País um País com um logo caminho a percorrer em termos de transição energética, como é que salvaguardamos a tão necessária movimentação de pessoas e mercadorias sem a utilização deste luxo?
Para alguns especialistas as soluções são os transportes públicos de pessoas e os transportes colectivos de mercadorias. Mesmos ignorando as recomendações da DGS por causa da Covid-19, parece-me evidente que esta solução quando muito poder-se-á considerar uma semi-solução nos grandes centros urbanos.
Uma empresa sedeada no interior do País, transportar os seus colaboradores em transportes públicos ou deslocar os produtos resultantes da sua actividade em transportes colectivos só mesmo nos seus melhores sonhos. É bonito de se dizer, mas na prática estas soluções não existem. Talvez existissem se a tão apregoada coesão territorial fosse hoje uma realidade e não uma miragem.
Quando pressionado, em 2016 o governo criou o chamado gasóleo profissional. Para mal de alguns, onde me incluo, o gasóleo consumido no âmbito profissional nem sempre é profissional. O gasóleo consumido para transformar, armazenar ou transportar os produtos que fabricamos não merece ser reconhecido como tal a não ser que tenhamos uma transportadora e utilizemos semi-reboques.
Acho que tal não passou de uma iniciativa para silenciar os que mais facilmente paralisavam o País.
Gerir este País convicto que todos, de particulares a empresas, podem suportar sempre mais um bocadinho para sustentar um estado cada vez mais pesado, terá que vir de alguém que ou não conhece a realidade do país que gere ou que tem um completo desrespeito pelos seus cidadãos e empresas. Os combustíveis não são em Portugal um mero luxo.
São uma necessidade absoluta que pesa demasiado no orçamento familiar dos portugueses e que retira muita competitividade às nossas empresas. É do meu ponto de vista incompreensível que, em anos de combate a uma pandemia, haja a coragem de aumentar sucessivamente os impostos sobre estes produtos ignorando o impacto que isso tem. É fácil de perceber que os combustíveis são e continuarão a ser uma muito boa fonte de receita para o estado: 3,4 mil milhões de euros inscritos no orçamento de estado para 2021 só em ISP demonstram isso mesmo.
E na soma, não esqueçamos o IVA sobre tudo isto. Dizer que esta é a contrapartida para a promoção de medidas de protecção ambiental ou para a promoção da transição energética? Não, para isso precisamos dos PRR e demais fundos comunitários.
Aos nossos governantes, que acredito que não sintam esta problemática como a maioria dos portugueses, talvez não saibam sequer o preço de cada litro de combustível, digo que não se trata de caviar. Os combustíveis não são um luxo, por enquanto são mesmo uma necessidade. Tributem-nos como tal.
*Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.