Opinião: Os dados do problema
A Câmara Municipal de Lisboa (e outras?) a partilhar dados de ativistas com embaixadas e outros alvos de protestos cidadãos, sítios internet de entidades públicas a partilhar dados pessoais com a Google para efeitos comerciais, dados dos passageiros de voos a serem recolhidos pelo Sistema de Segurança Interna, tráfego dos dados do Censos a ser atribuído a uma empresa que está vinculada a permitir que sejam acedidos pelas agências de segurança norte-americanas – eis como o escrutínio da nossa vida pessoal é hoje um assunto político de primeira importância.
O nosso número de telemóvel, a refeição que tomamos no avião e o nosso boletim de vacinas colocam-nos no centro das atenções de quem olha o mundo com as lentes da ameaça em cada esquina ou da oportunidade de negócio em cada pessoa. Somos suspeitos e somos mercado – e, em ambos os casos, somos objetos da vigilância do big brother e de decifração fina do que pensamos, do que gostamos, do que apoiamos ou do que rejeitamos.
É bom que o país acorde para a realidade da falta de reserva dos dados pessoais que é prática corrente entre nós. Para tudo e para nada exige-se nome, número de cartão de cidadão, morada, contacto e sei lá mais o quê. E nós damos. É uma cultura instalada de laxismo administrativo e cívico, para a qual os dados pessoais são uma simples informação neutra e a sua partilha “não tem mal nenhum”. Tem, sim. Neste tempo de segmentação das mensagens publicitárias, empresariais ou políticas e de desenho algorítmico de perfis para potenciar a identificação de públicos-alvo para esse mercado agressivo, neste tempo de paranoia securitária sobre os fluxos de pessoas e de estigmatização criminalizadora das migrações, os dados pessoais tornaram-se matéria prima dos mercados e das polícias. E a privacidade é cada vez mais um luxo do passado.
Os campeões da securitização e os campeões dos mercados hão de encontrar sempre justificações para legitimar o acesso a dados pessoais. Em última análise, convencem-nos de que seremos nós os beneficiários do seu acesso.
Mas não, não temos nada para lhes agradecer. Temos antes de lhes exigir respeito. E ao Estado temos de impor que não seja agente de fragilização das nossas vidas, mas sim agente plenamente comprometido com a garantia dos nossos direitos e das nossas liberdades. E essa garantia joga-se hoje tanto no combate à discricionariedade dos poderes formais e informais como na proteção dos dados pessoais.
A minha actividade durante a semana passada
– Audição da Ministra da Justiça
– Audição do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa sobre envio de dados à embaixada da Rússia
– Apresentação em plenário do projeto de lei do Bloco que criminaliza o enriquecimento injustificado