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Opinião: Do medo ao ódio

16 de setembro às 10h15
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Um dos temas hoje em destaque são os chamados “discursos de ódio”, propalados nas redes sociais ou onde possam ser ouvidos, e já sujeitos a criminalização. Muitas são as supostas raizes deste discurso, que se procuram na facilidade de acesso ao protagonismo, senão mesmo promoção, das opiniões mais abjectas, na deliberada construção de notícias falsas, no permanente mal estar de muitas pessoas a quem não falta um telemóvel onde se possam exprimir.

Aliás, o fenómeno não é novo na História recente, se nos lembramos da publicação de Mein Kampf há cerca de um Século. A diferença de então para agora, é que o discurso de ódio era então dirigido a grupos electivos, e agora atinge várias direcções ou direcção nenhuma.

Talvez nos estejamos a esquecer de um factor importante na construção dos discursos de ódio: é a propagação insistente do medo na Comunicação Social, principalmente nos canais televisivos que competem entre si pelas audiências. Durante um ano ou mais, assistimos à imposição do medo por causa de um virus que apareceu do nada. Cansados os espectadores, apareceram milagrosamente as guerras, uma delas às portas da Europa, a outra no berço das civilizações.

Quando já cansavam, sem desaparecer dos ecrãs, foram substituídas, em Portugal, pela fuga presos perigosos insistentemente exibidos, enquanto se descreviam as suas vidas tortuosas e se proclamava o seu perigo e inteligência. Os cidadãos devem estar atentos. E o medo aumenta.

A resposta ao medo tem duas alternativas: a fuga ou a luta. Mas o cidadão amedrontado, nestas circunstâncias, não tem para onde fugir. Fica em casa, paralisado, e cada vez mais exposto aos estímulos ameaçadores que vêm dos diversos ecrãs. Resta a luta, mas contra quem? Aparentemente, contra tudo e todos. E é essa luta que, na falta de um saco de boxe em casa, se destila, imparável, nos discursos de ódio.

Se estamos muito preocupados com os discursos de ódio, duvido que a sua criminalização possa resolver alguma coisa. Talvez seja melhor perceber as suas causas e, entre estas, dar atenção à difusão do medo através da Comunicação Social. Claro que o risco sempre foi inerente à natureza humana, e não o deixa de ser agora. Mas se antigamente ele era atribuído à divindade e exorcizado em rituais religiosos que devolviam alguma esperança, hoje ele apresenta-se com toda a crueza, esperando-se que a tecnologia e as instituições sociais o resolvam.

Dentro de alguns limites, a sociedade e as suas instituições, com o apoio da tecnologia, podem fazer o que delas se espera. Toda a gente sabe que uma catástrofe nos pode levar para além desses limites, e só a sorte individual se pode apresentar então como escapatória. Mas contra a amplificação do risco ou a apresentação do risco que, na verdade, não existe, nada se pode fazer. Ou antes, podia-se evitar fazê-lo, cortando, na sua raiz, a difusão do medo. Não se sabe porém se isso iria diminuir as audiências que alimentam os órgãos de informação e os seus lucros com a publicidade. Se for o caso, deixemos então que as audiências mandem na Comunicação Social, mas não nos queixemos dos discursos de ódio. Veremos então até onde eles nos podem levar.

Autoria de:

Pio Abreu

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