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Opinião: Demolidor

19 de abril às 10h10
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Os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa julgaram o recurso interposto pelo Ministério Público, que não se conformou com as medidas de coacção decididas aplicar pelo Juiz de Instrução Criminal no âmbito do processo que (também) envolve o ex-Primeiro-Ministro António Costa. O MP exerce a acção penal, defende a legalidade democrática e a actuação dos seus magistrados está vinculada a três grandes princípios, a saber, estabilidade, hierarquia e responsabilidade, sendo que a responsabilidade civil apenas pode ser efetivada, mediante acção de regresso do Estado, em caso de dolo ou culpa grave. Por seu turno, os Juízes não devem obediência ao MP. Eles só têm que decidir de acordo com a Constituição e a Lei, porque esse é que é o conteúdo próprio e esgotante do princípio constitucional da independência dos Juízes e dos Tribunais.
E que decidiu o Tribunal quanto ao crime de tráfico de influência? Que o requerimento do MP é frágil, que não se pode fundamentar a compra e venda de influência com base na existência de uma relação próxima e longa de amizade com governantes (mesmo no caso de ex-Primeiro-Ministros), que os processos de inquérito não são peças jornalísticas (reportagens, entrevistas, textos de opinião, etc), que não vislumbra qualquer utilidade a mais de mil páginas que, em conjunto, tinham o título de “Notícias da Comunicação Social”, que as conversas telefónicas nada mais demonstram do que a sua própria existência, que não são factos, mas sim meios de prova, que as presunções judiciais não são da competência do MP, cujas interpretações só o próprio vinculam. Conclui, nesta parte, que não existem indícios (nem fortes, nem fracos) da prática do crime de tráfico de influência. Quanto ao crime de prevaricação, o recurso do MP também improcedeu.
O mesmo destino teve o crime de corrupção, pois o Tribunal considerou que a descrição contida no requerimento apresentado pelo MP não tem aptidão para preencher em abstracto o tipo legal deste crime, nem sequer o crime de recebimento ou oferta indevida de vantagem. Concluindo, negou provimento ao recurso do MP e declarou extintas as medidas de coação, com excepção do termo de identidade e residência já prestado. Resta saber o “destino” de António Costa e o que fará o Conselho Superior do Ministério Público e a própria Procuradora-Geral da República. Considerando o registo até hoje, nada!
Por fim, o Tribunal da Relação de Lisboa faz uma afirmação fundamental nos dias que correm: que o direito penal não julga comportamentos que só ética, social ou politicamente são, eventualmente e para alguns (acrescento eu), censuráveis. E vai mais longe, fazendo um “apelo”, pois nem vale a pena negar a evidência de que os diferentes grupos de interesse tentarão sempre influenciar o processo decisório que os afecte, recordando o já preconizado pelo Presidente da República no seu veto de 2019 sobre a regulamentação do lobby, que pode ser parte integrante de uma democracia saudável (a falta de controlo do lobby é que abre a porta à corrupção, mina a democracia e permite toda e qualquer suspeição pelo MP, pois, como se costuma dizer, “dependendo dos olhos, até a pomba pode ser preta”), desde que a sua actividade respeite a soberania popular, os princípios da universalidade e da igualdade e os direitos, liberdades e garantias fundamentais.

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