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Opinião: De Jerusalém a Elvas

01 de abril às 08h32
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Na passada semana, que correspondeu para os cristãos à Semana Santa, o Papa Francisco publicou uma afetuosa carta dirigida aos católicos que habitam na Terra Santa, que neste momento é particularmente martirizada pelo “drama absurdo da guerra”. Neste texto de conforto e estímulo, o Papa inclui uma pequena oração que sintetiza admiravelmente um convite que bem se pode estender desde os martirizados cristãos da Terra Santa a todos os homens e mulheres de boa vontade: «Rezo por vós e convosco: “Senhor, Vós que sois a nossa paz, Vós que proclamastes bem-aventurados os obreiros da paz, libertai o coração do homem do ódio, da violência e da vingança. Nós Vos seguimos com os olhos postos em Vós que perdoais e sois manso e humilde de coração. Não deixeis que ninguém nos roube do coração a esperança de nos levantar e ressurgir convosco, fazei que não nos cansemos de afirmar a dignidade de todo o homem, sem distinção de religião, etnia ou nacionalidade, a começar pelos mais frágeis: as mulheres, os idosos, os pequeninos e os pobres”.»
Não pode deixar de ser sublinhada a ligação umbilical entre as duas partes desta oração: a construção da paz pela rejeição do ódio, da violência e da vingança, pela mansidão e humildade de coração, está indissociavelmente ligada à defesa incansável da dignidade humana, sem qualquer distinção e a começar pelos mais frágeis. É um programa político completo, na mais nobre e elevada aceção do termo “político”.
Com os terríveis acontecimentos da Terra Santa em mente, dificilmente o Papa terá escrito esta carta pensando nos recentes desenvolvimentos da política portuguesa. Aos quais, no entanto, o programa do Papa se ajusta como uma luva.
De facto, a imperfeita paz social que os recentes resultados eleitorais traduzem pode ser e tem sido justamente interpretada como uma forma de protesto dos setores mais frágeis e abandonados da sociedade portuguesa. É a esse respeito eloquente o resultado das votações nos círculos da emigração (onde votam todos aqueles que, mais das vezes, se viram forçados a abandonar o país) e em regiões mais abandonadas do território. Parece que a chave mais sensata para a interpretação do terramoto eleitoral está com aqueles que recusam que a sociedade portuguesa se tenha subitamente radicalizado, embora a radicalização, mais ou menos incipiente, já more entre nós.
Não estranha talvez por isso que, entre os muitos comentários aos resultados eleitorais, se conte um curioso apelo à Igreja Católica por parte do presidente cessante do Parlamento: “Numa campanha com tão fundas questões morais, e perante os resultados, foi estranho o silêncio da Igreja Católica”. (Público, 17/3/2024 )
De um extremo político ao outro, passando pelos católicos em todos os interstícios políticos, é sempre muito difícil perceber, aceitar e integrar que a moral cristã seja um todo coerente e não “à la carte”. Mas se (mais) comentários católicos fossem necessários, aí está a carta do Papa aos cristãos da Terra Santa. Se em Jerusalém é extraordinariamente difícil saber “esperar contra toda a esperança”, cumpre à comunidade política nacional, apoiada em todos, trazer a esperança apenas a estas Terras de Santa Maria. Com especial atenção, como o Papa não se cansa de dizer, pelas periferias políticas, económicas, sociais e até geográficas.

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