Opinião: Da Terra à Lua numa folha de papel
Quantas vezes teríamos que dobrar uma folha de papel ao meio para que a sua espessura ultrapassasse a distância da Terra à Lua? A pergunta pode parecer ridícula mas a resposta é 42 vezes. Se achamos pouco é porque não percebemos verdadeiramente o crescimento exponencial. O termo é bastante badalado à nossa volta, por políticos e jornalistas, com o objectivo de anunciar algo que cresce muito rapidamente. Mas o crescimento exponencial tem propriedades muito específicas, ainda que pouco intuitivas. Numa exponencial, a cada passo multiplicamos o que temos por um valor fixo, uma taxa de crescimento.
Um exemplo clássico é a lenda de um xá da Persia que ao ver pela primeira vez o jogo de xadrez, ficou de tal maneira fascinado que quis presentear o servo que lho mostrou com todas as riquezas que este pretendesse. O servo pediu apenas arroz: um bago no primeiro quadrado do tabuleiro, dois bagos no segundo, 4 bagos no terceiro, 8 no quarto, 16 no quinto, e assim por diante até preencher os 8×8=64 quadrados. O xá, algo ofendido pela falta de ambição do servo, pediu ao seu tesoureiro que fizesse a conta. Passadas semanas, o pobre tesoureiro ainda não tinha acabado o cálculo (naquele tempo era à mão). É que o resultado são 9.223.372.036.854.775.808 bagos, ou cerca de 276 mil milhões de toneladas de arroz, o que chegaria para alimentar os 8 mil milhões de habitantes do planeta Terra durante 500 anos. É que o número de bagos cresce exponencialmente, multiplicado por 2 a cada passo, durante 64 passos.
Durante a pandemia, estivemos perante outro fenómeno exponencial, o do contágio. O número de infecções causado por uma pessoa infectada, o famoso R, é a taxa de crescimento. Com um R maior que 1 a doença espalha-se exponencialmente. Com R=2 cada pessoa infecta duas e caímos no caso dos bagos de arroz, que já vimos ser dramático.
A melhor ciência que temos diz-nos que o universo começou com o Big Bang, seguido de um período de expansão exponencial chamado inflação cósmica. Nesta fase, o volume do universo cresceu de um factor de “10 seguido de 78 zeros” numa fracção de tempo de 0,( 36 zeros)1 segundos.
Em economia, a inflação também é um fenómeno exponencial. Uma inflação anual de 2% significa que os preços são multiplicados por 1,02 a cada ano que passa. Aflitivo. Mas o saldo dos depósitos a prazo também é exponencial. Uma taxa de juro anual de 3% significa que multiplicamos as poupanças por 1,03 a cada ano que passa. Excelente.
Um aspecto importante do crescimento exponencial é que cresce cada vez mais depressa. O último passo é sempre o maior. Voltando à folha de papel, um A4 tem uma espessura de 0,1 mm. Dobrado ao meio dá um A5 com 0,2 mm, e depois um A6 com 0,4 mm, e assim sucessivamente. Após 41 dobras temos um A45, com uma espessura de 220 mil km. A Lua está a pouco mais de 384 mil km, por isso temos que dobrar mais uma vez, obtendo um A46 com 440 mil km de espessura. Reparem que o que “ganhámos” na última dobra é igual à espessura do A45. Fizemos metade da viagem no último passo. Claro que um A46 não dá para escrever o que quer que seja. Não há milagres.