Opinião: Cláusulas leoninas: força é cortar precocemente as garras ao leão…
Uma mancheia de propostas carreou, ao longo dos anos, a apDC, sociedade científica centrada no estudo e investigação do Direito do Consumo, aos órgãos do poder, de molde a dotar-se o ordenamento jurídico nacional de um sem-número de institutos que permitissem extirpar as denominadas cláusulas leoninas (as cláusulas abusivas) que povoam os contratos, mormente os de consumo, à margem da apreciação em juízo dos formulários que os predisponentes oferecem, em geral, no mercado.
Uma das propostas, de um vasto leque criteriosamente fundamentado, versava sobre a criação de uma Comissão das Cláusulas Abusivas
Eis os seus termos:
“Que se crie uma Comissão das Cláusulas Abusivas, de composição plúrima, a saber, com partícipes, entre outros, das associações de interesse económico, de consumidores e de outras origens de molde a filtrar os formulários e demais suportes em circulação no mercado de consumo, deles expurgando as cláusulas abusivas fundadamente detectadas.
E, no passo subsequente:
A constituição de uma Comissão Nacional das Cláusulas Abusivas não representaria, tanto quanto se nos afigura, suplementares encargos para o Estado, já que nela figurariam entidades religadas ao Estado e outras que oriundas sociedade civil, nela figurariam no estrito âmbito dos seus objectivos e na prossecução de interesses de índole geral que no seu escopo se imbricam.
Integrariam a Comissão
– Conselho Superior da Magistratura;
– Conselho Superior do Ministério Público;
– Conselho Superior da Ordem dos Advogados;
– Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores;
– Administração Pública Central (DGC);
– Confederação do Comércio e Serviços;
– Confederação do Turismo;
– Instituições civis de consumidores;
– Personalidades de reconhecido mérito.
A Comissão Nacional das Cláusulas Abusivas poderia desdobrar-se em secções especializadas, que apreciariam os modelos em circulação no mercado ou, a título de prevenção, os formulários que os agentes económicos entendessem submeter-lhes.
Poder-se-ia estabelecer, in casu e para o efeito, um tarifário, a suportar pelos consulentes que, em jeito de antecipação, recorressem à comissão para apreciação das condições gerais dos contratos que entendessem pôr em circulação.
À Comissão Nacional das Cláusulas Abusivas poderia eventualmente ser cometida a função – de molde a prevenir o recurso às vias jurisdicionais – de celebração de termos de ajustamento de conduta com as cominações que às hipóteses previstas se estabelecerem.
Não se pode continuar a perspectivar o fenómeno das cláusulas abusivas em Portugal com um olímpico e soberano desprezo, como parece haver ocorrido desde sempre, dadas as ruinosas consequências económicas operadas na esfera dos consumidores e dos mais abarcados pela tutela que da lei decorre.”
Anos e anos a fio se revelou o menosprezo pelas propostas, a justo título carreadas, e que tendiam a oferecer uma mais sólida consistência ao eventual esforço de supressão de tão nefastas quão perniciosas ervas-daninhas que medram pelos contratos de adesão e atingem patrimonialmente os aderentes.
Eis senão quando vem a lume, na esteira de um labor legislativo não isento de escolhos e contrariedades, lei emanada do Parlamento (a Lei n.º 32/2021 ), publicada a 27 de Maio pretérito, que no seu artigo 3.º prescreve, sob a epígrafe:
Regulamentação e sistema de controlo e prevenção de cláusulas abusivas
1 – O Governo regulamenta o presente diploma no prazo de 60 dias.
2 – A regulamentação a que se refere o número anterior inclui a criação de um sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas, garantindo que as cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial não são aplicadas por outras entidades.”
Finalmente!
Até 26 de Julho p.º f.º o modelo de estrutura tem de estar desenhado e o diploma regulamentar publicado.
A Lei das Condições Gerais dos Contratos, publicada em 1985, entrou em vigor há 35 anos (feitos em Fevereiro pretérito).
Tão longo penar! Tão distantes no tempo! 35 anos se escoaram já…
Desde 1988 que se antevia a imperiosa necessidade de tornar ágeis os procedimentos, de reforçar o expediente por forma a expurgar dos contratos, na esfera extrajudicial, tamanhos aleijões a comprometer equilíbrios, a comprometer a bolsa dos consumidores e dos mais…
Antes tarde que nunca!
Louvemos, porém, a iniciativa legislativa.
Aguardemos o modelo que o Governo se permitir esboçar do “sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas”… e aguardar pelo seu funcionamento.