Opinião – A tragédia de Biden

Ser velho não é o problema de Biden. O problema de Biden é o abandono pela corte de senadores, congressistas, capitalistas e estrelas de Hollywood ainda há três semanas seus públicos e excelsos aduladores.
E esse abandono nada tem a ver com uma súbita epifania reveladora de uma suposta incapacidade cognitiva.
Biden esteve confuso no célebre debate. Esteve congelado em alguns momentos. Perdido, quase sempre.
No entanto, momentos desses existiram antes, sem clamor, rasgar de vestes ou ranger de dentes.
Contudo, salvo a caótica retirada do Afeganistão, em linha com a desordenada saída de Saigão, Biden foi, se não um excelente Presidente, pelo menos um Presidente profundamente decente. O que não é qualidade de pouca monta, em tempos em que a decência é valor sem densidade política.
O problema de Biden é a fulminante crença, por parte dos vassalos, do fim anunciado das benesses, tenças e mordomias de que entendem ser naturalmente merecedores.
Como Cesare Pavese poeticamente registou, o poder é fonte de loucura.
Paradoxalmente, o temor da perda de poder é fonte de uma racionalidade fria e crua.
Racionalidade que, de uma perspetiva ética, poderíamos chamar de traição. Mas, como César em vão aprendeu com Brutus, em política a traição, não raro, traveste-se em virtude.
O problema de Biden não é ser octagenário. O problema de Biden é o de ser visto como o leão moribundo da fábula de Esopo. Um leão que suporta conformado as humilhações infligidas pelos javalis, pelos touros e, quiçá, pelos burros do Partido Democrata.
A tragédia de Biden é, também, a tragédia do Rei Lear, essa definitiva análise shakespeariana das mecânicas cruéis do poder e dos traços animais da natureza humana.
E nada nos astros augura que Kamala ou Michelle afivelem a máscara de Cordelia.