Opinião: A tormenta que atravessamos
2022 arrancou com algum otimismo, mas os sinais de preocupação foram agravados com a invasão da Ucrânia. Os custos humanos e sociais desta guerra atroz são incomparáveis às implicações económicas, mas é sobre estas que irei falar. No entanto deixo a minha solidariedade para o povo ucraniano e uma palavra de apelo ao fim do conflito, pela liberdade e pela paz.
Uma das consequências imediatas da guerra, foi a pressão exercida pelos elevados preços da energia na Europa, que agravou o crescimento que já vínhamos a observar na inflação. Em fevereiro, a taxa de inflação homóloga atingiu um novo máximo de 5,8% na zona euro, face aos 5,1% do mês anterior e aos 0,9% registados em fevereiro de 2021! São valores que não víamos há mais de uma década e que têm consequências muito para além dos combustíveis: os custos elevados da energia e os problemas de abastecimento estão a contribuir para fazer subir todos os preços para os consumidores. Mas as consequências estendem-se a toda a economia e as empresas portuguesas são particularmente vulneráveis às variações nos mercados europeus e, embora não tenha ainda chegado, todos falam nela: a estagflação.
Tal como nos anos 70, o mundo enfrenta o risco de estagflação e como a própria palavra indica, é um misto de estagnação com inflação: portanto baixo crescimento económico combinado com elevada inflação. Para controlar este risco o Banco Central Europeu já iniciou algumas medidas restritivas que trarão alguma tensão para os mercados financeiros. Mas no longo prazo o efeito económico mais relevante a nível global poderá ser o da reconfiguração geopolítica no pós-guerra.
Se no passado, a integração da Rússia e da Ásia no comércio internacional beneficiou a todos, agora o divórcio inevitável entre a Rússia e o Mundo, bem como o crescente distanciamento do Ocidente face à China terão o efeito oposto. Esta esta crise obrigará a uma reconfiguração da produção na Europa, no sentido de um maior investimento na segurança por exemplo, e que é na sua maioria pouco reprodutivo. Por fim, porque as sanções terão um efeito relevante no potencial de crescimento da Rússia, condenando um povo e uma região a um longo período de recessão, que não beneficiará ninguém.
É neste cenário que os empresários portugueses terão de se preparar para os próximos tempos. Enfrentaremos um período de mudança que passará necessariamente pelo reforço da capacidade de exportação e aumento da produtividade. Estes dois temas são já “crónicos” na análise às causas da situação portuguesa, mas têm uma especial relevância nesta crise. A estratégia de retoma deverá focar-se na inovação e transformação digital nos setores de maior valor acrescentado.
A inovação é a chave para desbloquear a competitividade internacional das nossas empresas, quer nos setores tradicionais, quer nos setores em crescimento como as TIC, aeronáutica/espaço, e tecnologias para a saúde. Por outro lado, o reatar do “Eixo Atlântico” através do reforço das relações com os países americanos e africanos, pode contribuir para a diversificação de mercados que as empresas procuram.
O comissário europeu da Economia fez questão de referir recentemente que “a estabilidade da paz e o crescimento económico estão obviamente e estritamente ligados”. Esperamos então que a paz seja retomada rapidamente e que as empresas portuguesas consigam navegar os ventos agrestes até que a bonança regresse.