Opinião: “A sombra de um chumbo”
O chumbo anunciado do Orçamento do Estado para 2022 é difícil de entender para a maioria dos portugueses. Mas mais que ser incompreensível, a ameaça de chumbo representa para a grande maioria dos portugueses um enorme prejuízo.
Olhando para trás somos levados a questionar se todos já esqueceram o caminho trilhado desde 2015. O caminho na recuperação de rendimentos, de crescimento económico, de redução do desemprego, de regresso ao investimento na saúde e na escola pública. Ou se a memória é tão curta que faz tábua rasa do que foi construído e, acima de tudo, da barragem que se conseguiu coletivamente fazer à continuação da destruição do Estado Social e do empobrecimento generalizado.
Perante esta ameaça de chumbo é importante questionar se para que esta solução governativa funcione seja necessário que o Partido Socialista governe contra a sua matriz. Que ignore a responsabilidade orçamental, o equilíbrio e o diálogo social. Que se afunde num diálogo fechado na bolha partidária e esqueça que não se governa a qualquer custo. O Partido Socialista tem feito um esforço significativo, desde julho, para que seja possível encontrar consensos, construir novas soluções e conciliar vontades. Muito se avançou. Seja no maior aumento do salário mínimo de sempre (em 40 euros), na gratuitidade das creches, nos novos escalões do IRS, no aumento extraordinário das pensões, na Agenda do Trabalho Digno, no estatuto profissional do artista ou mesmo no Estatuto do SNS.
Contudo, e a verificar-se o chumbo mesmo perante todos os avanços, temos que nos questionar se a decisão já estava tomada pelos parceiros à esquerda antes das próprias negociações. A sensação que se vai adensando – ainda que disposta a ser contrariada – é que o “chumbo” há muito havia sido decidido, só faltava tentar encontrar o – frágil – pretexto.
Nas últimas décadas dificilmente houve um orçamento que consagrasse tantas conquistas sociais como o Orçamento do Estado para 2022. Aliás, nunca se tinha ido tão longe como se foi nestas negociações. E, contudo, à Esquerda parece preferir-se a trincheira à convergência.
O PS também tem sido claro. Tudo se tem feito para encontrar acordos, mas não se governa a qualquer custo e, muito menos, se Governa contra os interesses do país. Ainda há tempo para evitar uma crise política de custos pesados para o país, mas isso exige o abandono da postura de “tudo ou nada”.
É sempre mais fácil a via do protesto a tentar efetivamente construir um projeto de longo prazo para o país. Tudo protestar, tudo contestar, é uma via fácil e o caminho mais direto para que tudo fique na mesma. Governar exige compromissos, confronta-nos com insuficiências, e obriga-nos a escolhas – sempre difíceis – na gestão das necessidades do país.
Infelizmente parece que nem todos aprenderam com o passado e torna-se cada vez mais claro que quem pagará uma anunciada crise política seremos todos nós, os portugueses. Ainda há tempo para os parceiros reequacionarem as suas posições e demonstrarem uma abertura real para evitarem repetir o erro de há 10 anos. De outra forma, há que questionar: era para isto que à Esquerda se queria impedir a maioria absoluta do PS?
Pode ler a opinião de Tiago Estevão Martins na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS