Opinião: A saúde e as eleições

Inevitavelmente, a Saúde, em geral, e o Serviço Nacional de Saúde (SNS), em especial, vão estar na primeira linha do combate eleitoral em que já estamos mergulhados e levará às eleições legislativas no próximo dia 18 de maio. E, provavelmente, pelas piores razões, já que as coisas neste campo não parecem ter-se modificado significativamente neste último ano.
É óbvio que ‘Roma e Pavia não se fizeram num dia’ e não é possível modificar instantaneamente um sistema tão complexo como o do nosso SNS. Mas o facto é que “todos, todos, todos” os partidos tendem a fazer promessas ‘miraculosas’, que depois têm dificuldade em cumprir. Muito mais na saúde do que noutras áreas da governação. E o exemplo claro disso foi, mais uma vez, o ‘caos’ das urgências no passado fim de semana da Páscoa, oito urgências encerradas no sábado e dez no domingo, todas nas especialidades de obstetrícia/ginecologia e de pediatria.
Como já tantas vezes aqui afirmei, considero que a principal causa deste problema é a deficientíssima gestão dos recursos humanos do SNS, responsabilidade inequívoca das administrações hospitalares e das direções de serviço. Sim, porque se há gente para o trabalho de segunda a sexta, também tem de haver no sábado e no domingo. São os mesmos. Reconheço hoje, e não o fazia há 3 ou 4 anos atrás, que os recursos são cada vez mais curtos, devido à total incapacidade de os reter no serviço público. Esta tinha sido, também, uma promessa eleitoral do atual governo, mas pouco ou nada foi feito neste sentido, pelo menos no que diz respeito aos médicos que, neste especto, são o principal fator de instabilidade.
Contudo, os números parecem não confirmar estas afirmações. O SNS conseguiu reter 86% dos médicos formados nos últimos cinco anos. Dos 7 116 que entre 2019 e 2023 terminaram a especialidade, 6 099 tinham, no fim do ano passado, algum tipo de vínculo com o serviço público. Mas há especialidades com taxas bem mais baixas, entre as quais as duas em causa. Não porque haja menos médicos a escolhê-las, mas porque são das que mais atração têm no privado.
É, pois, fundamental que se tomem medidas especiais para assegurar a sua continuidade no SNS, e isso tem, obrigatoriamente, de passar por melhores salários e condições de trabalho. É essencial que se reveja o sistema de exclusividade, de modo a torná-la mais atrativa e estimulante. Mas, no extremo, pode ter que se forçar esta retenção por medidas extraordinárias, como a de um período obrigatório de serviço como meio de compensar os enormes custos da formação. Reconheço que estou praticamente sozinho nesta matéria e que a Ordem dos Médicos e os sindicatos me vão zurzir por isto, mas “a necessidade aguça o engenho”!
Haverá outras soluções, como o recurso ao setor privado, que tem de ser o natural parceiro nesta área. E não, necessariamente, enviando para lá os doentes do SNS, porque a maior parte das instituições privadas não têm estrutura suficiente para um serviço de urgência altamente especializado e diversificado, mas trazendo para os hospitais públicos o pessoal do privado que seja necessário para complementar as escalas de serviço da urgência.
Mas o ‘divórcio’ entre estes dois setores, essencialmente ditado por princípios de natureza puramente ideológica, vai-nos impedido de aproveitar o máximo das capacidades, que inegavelmente temos, mas não queremos utilizar. Sem aproveitamento de natureza puramente económica de qualquer das partes, mas em estreita colaboração entre elas. Sejamos práticos, nunca mais se conseguirá estabelecer o SNS como único prestador de cuidados de saúde aos cidadãos.
Evidentemente, o problema reside também nas consultas e nas cirurgias. Embora o seu número tenha aumentado nos últimos doze meses, a verdade é que as listas de espera continuam a crescer e se mantém o incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos (TMRG) no acesso, tanto nos cuidados primários como nos hospitalares. Também aqui, a minha experiência diz que o problema reside na deficiente utilização dos recursos disponíveis, o que, mais uma vez, requere um olhar muito ativo sobre a estrutura organizativa, isto é, administrações hospitalares e direções de serviços.
Claro que para medidas deste alcance é fundamental que se estabeleça o tão propalado, mas nunca tentado, ‘pacto de governação da saúde’ entre os chamados partidos do arco da governação, não necessariamente apenas os dois habituais. Pelo contrário, desde o 25 de Abril, os 16 ministros da saúde (sem contar os 14 ministérios dos assuntos sociais, que até 1983 integravam a saúde) se divertiram a ‘desfazer’ o que os anteriores tinham feito! Ora a saúde não pode ser governada assim…
Espero, pois, que os nossos políticos aproveitem o próximo ato eleitoral para repensar o assunto de forma pragmática e que o/a próximo/a titular da pasta da saúde tenha o conhecimento, a experiência e, sobretudo, a coragem suficiente para dar o salto que se impõe para, definitivamente, alterar este estado de coisas. Não basta, apenas, a boa vontade…