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Opinião: À Mesa com Portugal – Comida Honesta

27 de agosto às 13h31
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Não precisamos de moralidade gastronómica. Precisamos comer e gostar do que comemos. Sabemos que a pretensão, desde sempre, ocupou espaço na cozinha. Tenho cá para mim, que a dita pretensão nos ajudou a refinar o gosto e a aumentar as possibilidades culinárias, mas precisamos dela qb. Em excesso, a dita pretensão dá em indigestão numa enorme memória vazia onde sobressai o nome dos autores do edifício, o nome do cozinheiro ou algum produto regional que por ali predomine, mas não sobrevive a memória do sabor.

Na hora de decidir prefiro pensar na comida honesta, naquela que não pretende ser mais do que aquilo que é. E aqui corremos todos os patamares. Desde a cozinha regional à cozinha de autor. Em vez de arrumadas em gavetas por categorias e por classificações, olhar de frente, sem medos e com uma enorme disponibilidade para o sabor ajuda a sentir a gastronomia. Se é uma caldeirada, uma cabidela ou uma simples travessa de tomate coração de boi temperado com sal grosso, azeite e vinagre, que seja. Se é uma receita elaborada, cuidada e trabalhada para ser atrativa, que seja. Não é a pureza da cozinha que queremos, é o sabor somente.

Por isso, todo o cuidado é pouco quando lemos as críticas gastronómicas. Confio mais no conselho de um amigo do que numa qualquer avaliação, seja ela vinda de quem for. Nunca percebi como funcionam e, sinceramente, não quero perceber. Acredito que há os que são puxados para a moda e os que controlam a moda. E depois, imagino, deve haver a disputa pela moda. É certo que precisamos desses rankings, dessas avaliações, das críticas, mas por detrás é tudo um enorme buraco negro que tudo suga e tudo oculta. Não confio. Vejo e sinto que se fala de nomes, de tendências, de sound bites gastronómicos, mas não vejo muito mais do que isso. E isto tanto é válido para a alta cozinha como para a cozinha regional.

Comida honesta funcional muito bem para quem só quer tirar prazer de uma refeição. E o prazer pode ser múltiplo. Conversar com a cozinheira e sentir o seu sotaque gastronómico, deliciar-se com um qualquer produto regional e comê-lo até não ter mais barriga, rir e rir sem fim à volta de um enorme tacho numa longa mesa de amigos, sentir cada garfada com gulodice e quase medo de o prato fugir, tudo o que nos dá felicidade. Mas não estar a comer conceitos, tendências, nomes de cozinheiros ou qualquer outro postal gastronómico prontinho a ir para as redes sociais. Comer, sentir a cozinha e a gastronomia, somente.

A gastronomia portuguesa está a dar que falar. Felizmente e finalmente! Mas ainda precisa de nós. É claro que precisa de alguma pretensão “para inglês ver”, mas não mais do que isso. Só para criar o alarido necessário para que ande nas bocas do mundo, mas só um bocadinho de pretensão, não mais.

É que assim temos a certeza do nosso valor, mas sem entrarmos nas “experiências gastronómicas” cujo conteúdo ainda não consegui decifrar. O que eu gosto mesmo é de fechar os olhos lembrar-me de uma refeição e logo, logo, babar-me. Assim, sou feliz e, por isso, na hora de escolher, ponho a pretensão à borda do prato e escolho comida honesta. Há mais do que pensamos por aí.

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