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31 de maio às 11h59
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Tempos houve em que a unidade de combate à corrupção da PJ detinha médicos e delegados de informação médica. Parecia não haver limites aos meios utilizados para aumentar as vendas de medicamentos. Havia prémios em troca de prescrição, listas de doentes a circular, venda directa, “brindes” – até dirigidos a crianças – visitas (ir)regulares a médicos e serviços do SNS. Em 2015, quando o nosso actual edil, José Manuel Silva, era bastonário da Ordem dos Médicos (terminou o segundo mandato em 2017 ), garantiu à revista Visão desconhecer tais práticas, mas não hesitou na condenação: “Retribuir por prescrições é completamente ilegal. A prescrição para angariação de pontos e ganhos económicos está proibida. Induz o consumo de fármacos e fere o código deontológico”.
Entretanto deixou de se ouvir falar deste tipo de escândalos, porquanto o Estatuto do Medicamento foi alterado pelo governo de Passos Coelho (a culpa é dele). Considerando a necessidade de assegurar o respeito pelo direito à saúde, bem como a protecção dos consumidores, as receitas médicas (prescrições) passaram a ser feitas electronicamente. Uma das vantagens, em concreto, é que passou a ser obrigatória a prescrição por DCI. A “luta” foi muito dura, mas finalmente as farmácias passaram a ser obrigadas a informar os consumidores da existência dos genéricos e identificar qual o que tem o preço mais baixo disponível no mercado.
O Estatuto do Medicamento dispõe que é proibido ao titular de uma autorização de introdução no mercado, à empresa responsável pela informação ou pela promoção de um medicamento ou ao distribuidor por grosso dar ou prometer, directa ou indirectamente, aos profissionais de saúde, ou aos doentes destes, prémios, ofertas, bónus ou benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando se trate de objectos de valor insignificante e relevantes para a prática da medicina ou da farmácia. Também o Código Deontológico da APIFARMA, que os delegados de informação médica têm de cumprir, determina que apenas podem ser promovidos junto do público em geral medicamentos não sujeitos a receita médica não comparticipados, para além de proibir as ofertas promocionais relativas a medicamentos sujeitos a receita médica. Quanto aos medicamentos não sujeitos a receita médica, podem ser dadas aos profissionais de saúde ofertas promocionais, desde que consistam em benefícios em espécie cujo valor não exceda € 25,00 e sejam relevantes para a prática da sua actividade profissional e/ou envolvam um benefício para o doente.
Vale por dizer que, hoje em dia, os delegados de informação médica visitam mais farmácias do que médicos, pois estas, apesar de serem obrigadas a ter sempre disponíveis para venda no mínimo três medicamentos com a mesma substância activa, forma farmacêutica e dosagem, de entre os que correspondem aos cinco preços mais baixos de cada grupo homogéneo, devendo dispensar o de menor preço, salvo se for outra a opção do doente, é cada vez mais frequente não terem o mais barato disponível. Apesar de existirem vários genéricos e diferentes preços entre eles, tem havido um aproveitamento descarado da iliteracia dos consumidores, que consideram genericamente que o medicamento genérico é o mais barato. Por isso, a indústria e as farmácias fazem acordos comerciais destinados a promover e vender o genérico que mais lucro lhes dá. Se não tiver dinheiro para o comprar, terei de esperar ou procurar outra farmácia. Lá está: a culpa é do Passos.

Autoria de:

Paulo Almeida

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