Opinião: À Mesa com Portugal – Bacalhau à Gomes de Sá
Reconheço a minha predileção pela receita do Bacalhau à Gomes de Sá. Tenho muitas que me enchem as medidas, como todos os portugueses, mas esta tem um não sei o quê de especial. Mas começo pelo fundamental… na discussão do que é nosso e não é nosso, gosto de dizer que, sim, o bacalhau que vem das águas frias do Atlântico Norte, tem uma impressão digital portuguesa. É que uma coisa é ter o produto, outra será ter o alimento.
E, neste capítulo, nós soubemos como ninguém transformar o peixe em alimento saboroso através da salga e da seca. O sal marinho, mas também o vento forte, constante e salgado, tão caraterístico da costa a norte do Mondego, fizeram o milagre da cura amarela. Com a desidratação, do insípido e pastoso passou-se ao saboroso e lascado.
Mas do global, passemos ao local. Ao Porto, esse imenso território imaginário que nunca sabemos bem onde começa e onde acaba, tais foram extensas e fluidas as relações geradas na sua maior veia. É ao Porto que regresso sempre que quero pensar o bacalhau. É de todos, certo. Nas comunidades costeiras que viam os seus homens partir para a difícil pesca nos mares gelados do Norte vive-se, ainda hoje, o espírito bacalhoeiro nas maiores mágoas e conquistas.
Mas o Porto tem em si a marca do bacalhau. Na vinda e na ida, na transformação, no receituário, nas pessoas. E, aqui, vou atrás do Bacalhau à Gomes de Sá.
Não sei se será a textura das lascas quando, suculentas, deslizam por entre o azeite e a cebola quase caramelizada, ou será o sabor das batatas que, ensopadas pela gordura vegetal fervida em mistura com a gelatina do bacalhau, ficam gulosas. Ou se será do trincar da salsa em cada garfada e do ovo cozido, tostado na clara e a desfazer-se na gema.
As azeitonas, sagradas, dão a acidez que se quer para ficar perfeito o encontro entre o sal que se esconde por entre as fibras lascadas do bacalhau, o amido glutão da batata, a doçura sincera da cebola meia macerada, o amargo da salsa.
A merecer um lugar no altar da culinária portuguesa, esta receita criada por José Luís Gomes de Sá (Júnior), quem sabe inspirada em alguma culinária praticada em casa de família dedicada ao negócio do bacalhau… Filho de armazenista de bacalhau, por vicissitudes da vida, acabou a trabalhar no restaurante Lisbonense onde passou esta receita maravilhosa. Que nunca nos abandone e que saibamos cuidar dela. É que a perfeição mora aqui e eu gosto de ter o Bacalhau à Gomes de Sá na minha vida.
Gostei do artigo e também gosto imenso do bacalhau à gomes Sá. Parabéns à autora e bom apetite. A cozinha portuguesa é na verdade muito especial dado que tem o seu toque mediterrânico.