diario as beiras
opiniao

Opinião – Smartphones na escola: da peste invisível à resposta inteligente

24 de abril às 09 h59
0 comentário(s)

Por muito tempo, a escola foi considerada um lugar protegido. Um espaço onde os alunos podiam concentrar-se, conviver, descobrir e construir conhecimento. Hoje, essa proteção está em risco, não por uma calamidade natural, mas por um objeto que todos trazem no bolso: o smartphone.
O documentário britânico Swiped: The School That Banned Smartphones (Channel 4, 2024 ) oferece um retrato perturbador: alunos de 12 e 13 anos que recebem até 2.000 mensagens por dia, mostram sintomas de ansiedade, distúrbios de sono, dificuldades de concentração e crescente isolamento social. Ao aceitarem ficar privados dos dispositivos durante três semanas, esses mesmos jovens experimentaram um surpreendente alívio: melhoraram o sono, comunicaram mais com os colegas e sentiam-se emocionalmente mais estáveis. A escola transformou-se. E com ela, os alunos.
Esta transformação remete-nos para um paralelo histórico inevitável: as epidemias. Desde a peste negra até à COVID-19, passando por uma forma mais recente e insidiosa de epidemia – a toxicodependência – a humanidade foi sendo confrontada com a necessidade de reagir àquilo que ameaça o seu equilíbrio. Hoje, a dependência digital instala-se como uma nova peste: silenciosa, socialmente aceite, mas devastadora nas suas consequências. Como em La Peste de Camus, há quem negue, quem relativize, quem se conforme. Mas há também quem enfrente.
O artigo Digital Detox: An Effective Solution in the Smartphone Era reconhece o problema, mas alerta para os perigos de soluções radicais. Proibir, por si só, não resolve. Fugir, isolar ou recuar são estratégias compreensíveis, mas insuficientes. A verdadeira resposta não é o interdito, é o compromisso: ensinar a viver com a tecnologia, não sem ela.
A escola deve ser, por excelência, esse espaço de mediação. O local onde se aprende a escolher, a regular, a resistir ao imediato. Mais do que proibir smartphones, importa criar contextos de uso pedagógico, ético e criativo. Importa ensinar os alunos a tomar consciência do tempo que perdem, das relações que se esgotam, da atenção que se dissolve em notificações sucessivas.
A proposta de plataformas digitais que monitorizem o uso da tecnologia, avaliem a participação em grupo e ajudem a regular o trabalho autónomo – como defendi noutros textos – ganha aqui novo sentido: trata-se de instrumentalizar a tecnologia para que ela deixe de ser vício e passe a ser veículo de consciência.
Como na toxicodependência, a resposta não está na exclusão, mas na reintegração crítica. A escola que queremos é aquela que não ignora a peste, mas que a enfrenta com inteligência, com educação e com esperança.

Autoria de:

José Afonso Baptista

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


Últimas

opiniao