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Opinião: SNS: Pensos rápidos nas hemorragias crónicas!

25 de setembro às 10h26
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Falar de caos no SNS sempre correspondeu a uma visão apocalíptica da saúde, que não faz justiça à resposta quotidiana que é dada, do mesmo modo que anunciar a solução dos problemas que persistem num ápice é um assomo de infantilidade política que produz sempre um efeito de ricochete.

É o que está a acontecer agora com o primeiro-ministro e o seu governo, depois de em maio ter acenado com um plano de emergência que iria dar “resposta urgente e imediata aos constrangimentos do SNS” e em agosto anunciar a solução estrutural para todos os problemas, “vamos formar mais médicos (Vila Real e Évora) e espalhá-los pelo território”.

Esta semana surge o anúncio de que o Governo aprovou o decreto-lei que cria centros de saúde privados (USF C), geridos pelas autarquias e setores privado e social, garantindo que esta é uma solução que complementa a resposta pública no acesso aos cuidados de saúde primários. Mas como, se não temos médicos especialistas disponíveis para isso?! Conhecemos então o anúncio da solução fácil.

Na região de Lisboa, o Governo vai pagar essa transferência para os gestores do Hospital de Cascais, gerido em Parceria Público Privada (HPP) pelo grupo espanhol Ribera Salud (acionista maioritário francês, Vivalto-Santé) apesar da Ordem dos Médicos, ter em fevereiro deste ano, denunciado a carência de médicos em vários serviços, desde a Neurologia, Medicina Interna, Urologia, Gastrenterologia, Urgência, Cardiologia, Pediatria e Radiologia.

Em agosto de 2019, havia 644.077 pessoas sem médico de família e enfermeiro de família, número que aumentou para um total de 1.675.663 (setembro de 2024 ), uma diferença de 1.031.586 utentes (aumento de 54%).

Apesar destes números, a comparação de indicadores internacionais de qualidade diz-nos que Portugal revelava um desempenho acima da média da OCDE, quer nos indicadores relativos às admissões hospitalares evitáveis, quer no indicador relativo às admissões hospitalares por motivo de amputações major de membros inferiores em diabéticos(https://www.ers.pt/pt/atividade/regulacao-economica/selecionar/estudos/lista-de-estudos/estudo-cuidados-de-saude-primarios-qualidade-e-eficiencia-nas-ucsp-e-usf/).

Como os vários Governos anteriores confirmaram, incluindo a Troika, estes resultados, devem-se essencialmente à reforma dos CSP que se iniciou em 2005 com a criação das USF B, assentes no resultado do trabalho de equipas multidisciplinares, constituídas de forma voluntária, que se organizam com autonomia técnica e funcional e que asseguram resposta às necessidades em saúde de um conjunto de utentes pelos quais são solidariamente responsáveis.

Ninguém pode exigir que os problemas na saúde se resolvam de um dia para o outro, mas convinha que eles não piorassem. A execução do plano de emergência é catastrófica. E o que está a acontecer com a (não) colocação dos médicos recém especialistas, é politicamente imperdoável. As notas dos novos médicos especialistas foram homologadas em inico de maio e em setembro, ainda há Unidades Locais de Saúde (ULS) que não resolveram os concursos para contratar médicos e depois estranha-se que assinem contratos com os hospitais privados e emigrem para o estrangeiro. É bom relembrar que foi este governo que mudou as regras e tudo se atrasou.

Ainda nos recursos humanos, continua a apostar-se na precaridade, trabalho extraordinário e contratos referentes a prestações de serviços médicos. A despesa com tarefeiros continua a disparar, no1ºsemestre já se ultrapassou os 100 milhões (fonte ACSS), além de disparar o montante em horas extraordinárias, 8,6 milhões correspondendo a uma despesa que ascendeu a 211 milhões de euros!

Isto é a prova do fracasso da política de recursos humanos. Os médicos não estão só a ir para o privado e para o sector social, estão a ir para a prestação de serviço. Mas, surpreendentemente ou não, Cristina Vaz Tomé, Secretária de Estado da Saúde, informa que querem “captar os recém- especialistas” para os Centros de Saúde Privados!

Agora sim, percebe-se o porquê de não se ter acelerado os concursos dos médicos. O Governo está a vender ilusões com os futuros Centros de Saúde privados, apesar de saber que qualquer medida que retire recursos humanos (USF C) ao SNS só acrescentará problemas.

A crise nas urgências, sejam elas obstétricas ou outras, refletem a ausência de medidas estruturais na acessibilidade aos cuidados preventivos e continuados, nos Centros de Saúde e na rede hospitalar. O governo não quer reorganizar o SNS, priorizando as carreiras profissionais!

Resultado a insatisfação é generalizada, levando mesmo a um aumento de queixas desde janeiro deste ano. Segundo o Portal da Queixa, houve 2593 queixas com a novidades de também no setor privado as queixas terem aumentado.
Sabemos que é emergente deixar de colocar pensos rápidos nas hemorragias crónicas e seria crucial não substituir as Farmácias comunitárias (USF B) por Para-farmácias (USF C)!

Autoria de:

João Rodrigues

1 Comentário

  1. Manuela Sucena diz:

    Excelente, João!

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