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Opinião: Serão tempos de regresso ao sagrado?

08 de novembro às 12h00
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Todos os tempos são oportunidades e possibilidades de vida. Em cada época da história houve dramas: pandemias, guerras, conflitos, desemprego generalizado, crises económicas… Cada tempo deve ser pensado, enfrentado e vivido.
Como estamos a enfrentar este nosso tempo? Como estamos a viver nesta geografia existencial? Como valorizamos as raízes e os valores recebidos? Basta o passado e as heranças? Como vivemos a nossa fé ou a falta dela?
O Cardeal John Henry Newman defendia que “uma fé passiva e meramente herdada acabaria, entre as pessoas cultas, na indiferença e nas pessoas mais simples na superstição”.
A fé é uma relação de confiança, um colocar-se em jogo para além da autossuficiência, uma oportunidade de se pensar para além do imediato e uma descoberta, feita de tentativas imperfeitas, da vida plena e de cheia de sentido.
Apesar de muitos sinais contraditórios, não podemos deixar de referir e reconhecer que há sinais, que a pandemia não deixou de reforçar, de um certo regresso ao sagrado e de uma certa busca espiritual.
Contudo, como disse Papa Francisco na Evangelii Gaudium, o regresso ao sagrado e a busca espiritual, que caracterizam a nossa época, são fenómenos ambíguos. Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus (EG 89 ).
Efetivamente este regresso tem algo de ambíguo. O Cardeal Tolentino diz mesmo que este regresso ao religioso corre o risco de ser uma espécie de deriva emocional, a procura de uma zona de conforto que dá tudo e verdadeiramente não pede nada, tanto mais grata quanto menos responsabilizadora do sujeito.
No entanto, há uma sede de Deus, do espiritual, do sagrado… que precisa de uma resposta adequada, de experiências profundas e humanizantes, de lugares de sentido e de relações gratificantes e comprometidas com os problemas reais e concretos da vida das pessoas.
Preocupa-me uma indiferença existencial em relação ao sentido e à plenitude de vida, como se nos habituássemos a viver com pouco, à superfície, à margem, de ‘sobras’, felizes quando tudo nos corre bem e angustiados na primeira dificuldade. Preocupa-me ainda mais quando as respostas religiosas ou espirituais são alienantes, exclusivamente estéticas, autocentradas, desencarnadas.
Não se trata de um voltar ao passado, nem de replicar modelos e referências de outros séculos, mas de voltar a sentir desejo de plenitude, de vida com mais sentido, de sagrado, de uma esperança comprometida que não esquece os que mais precisam, os que estão a passar mais dificuldades, os ‘últimos’ e quase sempre esquecidos das nossas sociedades.

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