Opinião: Os vencimentos dos médicos
Inicio esta Opinião com uma declaração de interesses: o vencimento nunca foi um fator primordial na escolha e no modelamento da minha carreira, como é evidenciado pelo facto de ter trabalhado durante mais de três décadas em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Contudo, não posso deixar de reconhecer que ele tem um significativo poder de atratividade para a maioria dos candidatos à profissão. Por outro lado, há que reconhecer que os longos tempos de estudo e treino, e as responsabilidades que ela acarreta devem ser adequadamente compensados.
Tudo isto tem que ver com a ‘alegada’ falta de médicos no nosso SNS, falta que sempre me neguei a reconhecer. É uma falácia! Efetivamente, as estatísticas recentes da OCDE mostram que Portugal é ainda o terceiro país com mais médicos por milhar de habitantes ( 5,5 – a média da OCDE é 3,5 ). Para além deste dado, importa sublinhar que Portugal continua a formar 25% mais médicos do que a média dos países da OCDE (todos os anos formamos 16,1 médicos por 100 mil habitantes).
Então, onde é que eles estão? É importante salientar que estes números se referem a todos os médicos com licença para praticar, sendo que muitos, talvez 25%, já o não fazem, por idade e/ou aposentação. E, naturalmente não estão todos ligados ao SNS, o privado está a atraí-los cada vez mais. E, mais recentemente, muitos abandonaram o País, à procura de melhores condições, salariais e outras, noutros lados. É neste ponto que quero incidir hoje aqui.
No que diz respeito aos salários dos médicos especialistas hospitalares, no último ano comparativo (OCDE, 2021 ), Portugal está na 6ª posição (de salários mais baixos), só acima da Grécia, da Eslováquia, da Polónia, da Lituânia e da Letónia. Em valores absolutos, os médicos especialistas em Portugal receberam em média 42.221€. Entre os parceiros do Euro, os mesmos profissionais em Espanha ( 79,5 mil€), em Itália ( 81,5 mil€) e em França ( 83,9 mil€) receberam o dobro dos colegas portugueses; na Finlândia ( 116,2 mil€), na Bélgica ( 116,7 mil€) e na Alemanha ( 146,2 mil€) aproximadamente o triplo; e nos Países Baixos ( 160,9 mil€) e na Irlanda ( 172,9 mil€) o valor foi o quádruplo do dos portugueses. Já os especialistas luxemburgueses recebem em média €258,6 mil por ano! Um outro indicador da OCDE mostra que o salário dos médicos especialistas hospitalares do SNS é 2,2 vezes o salário médio nacional (era 2,6 em 2017 ), enquanto no Luxemburgo é 4,2 vezes maior. Todos estes valores são, contudo, algo variáveis consoante as estatísticas.
Ora, esta é uma situação insustentável. Na campanha política recente, já se adiantara um partido político a propor um aumento de 40%. Imediatamente antes do surgimento da crise política, o Governo e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) chegaram a um acordo intercalar que definiu aumentos que variaram de 9,3 a 14,6%, consoante o grau da carreira, para os médicos que trabalham num regime de 40 horas. Em 2024, a maioria dos médicos ganhará um salário entre 1.752 € e 6.432€ por mês (regime de 42 horas em dedicação exclusiva. O salário mensal para o nível de entrada de médicos especialistas será de 2.863€ e depois de 5 anos de experiência laboral, o valor estará nos 3.131€ por mês, ainda a ‘milhas de distância’ da média europeia!
No nosso País, os valores dos salários dos médicos são condicionados por várias variáveis: experiência (tempo), especialidade, localização geográfica, tipo de instituição (público vs. privado) e regime (horas) de trabalho. De acordo com o portal averagesalarysurvey.com, se contarmos com os valores no privado, o salário médio anual dos médicos em Portugal é agora de 74.163€, se se incluir a região de Lisboa e de 49,872€, se excluirmos Lisboa (a média para Lisboa é de 98,455€).
Comparando com outros ambientes, os médicos dos Estados Unidos (EUA) ganham, em média 325.000€ por ano, e os do Canadá 250.000€. Há várias razões para as diferenças salariais. Nos EUA e no Canadá, por exemplo, o salário de trabalhadores altamente qualificados e com formação plena é elevado. Estes dois países também têm menos médicos per capita do que outras nações desenvolvidas, e a escassez de mão de obra tende a aumentar a remuneração.
Então em que ficamos? Numa pesquisa, perguntou-se: “Se tivesse que fazer tudo de novo, escolheria a medicina como carreira?” A proporção de respostas afirmativas variou de 53% em Portugal a 73% nos EUA. É importante ressaltar que essa afirmação nem sempre se correlacionou com o nível de remuneração.
Isto é, não precisamos de fazer mais médicos, temos de lhes pagar muito melhor. Estou à vontade para o dizer, já não me calha a mim!
PS: Naturalmente, reconheço que há muitos portugueses a receber muito menos, e merecem certamente mais. Mas pensem na responsabilidade ligada a esta profissão



