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Opinião: Orquestrar talentos: uma pedagogia da eficácia

09 de outubro às 11 h29
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Educar não é atulhar a cabeça.
O exemplo de Virgílio Caseiro
A escola, os professores e até os pais, muitas vezes, confundem educação com enchimento. Enchem a cabeça das crianças com conteúdos, fórmulas e regras, como se fosse um motor de alta cilindrada pronto a arrancar para o sucesso. Mas antes de encher, é preciso escutar. Ver o que já está lá dentro.
Educar não é despejar, é despertar.
Virgílio Caseiro, recentemente homenageado em Coimbra, é um exemplo vivo de que o talento não nasce de receitas prontas. A sua história, contada nas páginas do jornal As Beiras (04.out. 2025), mostra que a educação verdadeira começa no corpo, na memória, no afeto. Virgílio não nasceu maestro. Nasceu cantado ao colo. A música não lhe apareceu como vocação, mas como herança emocional, guardada nos ouvidos pela voz da mãe, que cantava sem saber que educava.
“Fui cantado ao colo da minha mãe” — diz Virgílio. E essa frase resume uma pedagogia que não se aprende nos manuais.
A sua infância não foi feita de planos de carreira. O pai queria um engenheiro, a sociedade esperava um médico. Virgílio queria correr Fórmula 1. Mas foi numa barbearia, onde um barbeiro tocava guitarra entre clientes, que encontrou a sua primeira escola. Sem currículo, sem exames, sem metas.
Apenas vontade de aprender e de escutar.
Mais tarde, em Coimbra, ajudou a fundar o GEFAC, sem saber que estava a criar uma estrutura cultural. Estudou Engenharia Mecânica, mas com a esperança de não acabar o curso. Porque sabia que, se o terminasse, o pai nunca o deixaria ser músico. Resistiu. E ao resistir, afinou-se.
Durante anos, ensinou crianças. E os pais, reconhecendo nele algo raro, dormiam à porta para
garantir uma vaga nas suas aulas. Não era fama. Era confiança. Virgílio acreditava que a música« transforma, que o corpo aprende antes da cabeça, que o afeto é a primeira forma de ensinar.
A sua vida é também uma crítica ao discurso do rendimento. “Então, e quanto é que ganhaste?”, perguntava-lhe o pai após cada concerto. E essa pergunta, repetida como marretada, mostra o abismo entre o talento e o mercado. Virgílio não se deixou afogar por esse pragmatismo. Criou a Orquestra Clássica de Coimbra. Formou gerações. E provou que a educação não se mede em números, mas em vibrações.
Educar, afinal, é escutar o que já vibra. É reconhecer que há música antes da pauta, talento antes da técnica, e humanidade antes da profissão. Virgílio Caseiro não é exceção. É revelação. A sua história mostra que a educação começa no colo, passa pela escuta, e se realiza na criação.
Contra o modelo que atulha cabeças, Virgílio propõe uma educação que afina corpos e desperta singularidades. E isso, mais do que uma homenagem, é uma lição que ressoa para além da música.

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