diario as beiras
Geralopiniao

Opinião: O CAOS nas Urgências

31 de janeiro às 09 h42
0 comentário(s)

Em maio de 2023, face à pouca progressão das negociações entre médicos e seus sindicatos e o Ministério da Saúde, surgiu a questão da limitação das horas extraordinárias dos médicos: «Nem uma hora a mais». Os médicos são obrigados a cumprir até 150 horas extraordinárias anuais, um limite (em meu entender absurdamente baixo – cerca de meia hora por dia) todos os anos ultrapassado dada a enorme carência de serviços e, então, já excedido por muitos médicos. A partir daí, e com especial relevância no último trimestre do ano, começou a surgir uma crise no funcionamento das urgências, com encerramentos mais ou menos programados, com rotação entre hospitais e especialidades.
Já antes aqui discuti o problema dos horários dos médicos, e não vou, agora, mais longe neste assunto. Mas com a chegada do inverno, apareceu uma nova epidemia, a da gripe A, com um agravamento súbito e intenso dos problemas que já se vinham observando nas urgências. Diariamente, fomos confrontados com notícias do tipo: “mais de 24 horas num cadeirão na urgência de Loures com uma pancreatite. O funcionamento é um caos”.
Ainda assim, os nossos políticos tentaram minimizar o problema. A 7 de dezembro, o Ministro da Saúde “afastava cenário de caos nas urgências”. É evidente que uma parte importante do problema reside no facto de que cerca de metade dos atendimentos nas urgências não correspondem a situações com esse grau de gravidade, e poderiam ser resolvidos pelos próprios em ambiente doméstico ou pelo médico de família. Este é um problema há muito diagnosticado e que tarda em ser resolvido. Nesse sentido, o ministério anunciou o reforço de centros de saúde com horário alargado nos fins de semana do Natal e do Ano Novo. “Porque é muito importante que as pessoas, numa circunstância como esta, sejam especialmente cuidadosas no seguimento das regras”, afirmou o ministro Manuel Pizarro.
O objetivo declarado era “atender mais pessoas (nos centros de saúde)” e diminuir a pressão sobre as urgências hospitalares”, mas não foi completamente conseguido. Com pequenas exceções, a corrida às urgências diminuiu apenas marginalmente e muito menos pessoas do que se poderia esperar recorreram aos centros de saúde, aparentemente por falta de confiança.
Mas então surgiu o episódio, que me suscitou este artigo de ‘Opinião’: No penúltimo dia do ano ( 30/12/23 ) foi anunciado que o centro de saúde de Sete Rios, em Lisboa, um dos cerca de 190 com horário alargado naquele fim de semana, “está este sábado sem atendimento clínico devido à greve dos médicos às horas extraordinárias”. A ARS de Lisboa e Vale do Tejo informou que “nenhum dos cinco médicos escalados, compareceu, estando apenas a funcionar uma equipa de enfermagem”. Absolutamente espantoso, fez-se uma escala para resolver um problema extraordinário e ninguém conseguiu prever o que aconteceu! Claro que se fosse apenas o não funcionamento de Sete Rios, não viria daí grande mal ao mundo, se tudo o resto funcionasse. Mas o problema é que este acontecimento é demonstrativo da grande confusão que por aí reina. Quem organizou a escala? Quem é o responsável pelo funcionamento daquele centro de saúde? Que tipo de planeamento é este? Neste País há alguém que mande? Que confiança podemos ter em quem supostamente nos devia dirigir e olhar por nós? De facto, a crise não é de urgências, é de liderança!
Já agora, pergunta-se: os centros de saúde são uma resposta adequada para o problema das urgências? A criação das 30 novas Unidades Locais de Saúde, em prática desde o 1º dia do ano, vai contribuir para eliminá-lo? Há 4 meses atrás, discuti este assunto aqui e não me declarei muito otimista, veremos o que o futuro nos trará… Mas por que razão continuam os doentes a procurar as urgências em situações que não o exigem? O pneumologista Prof. Agostinho Marques referiu que “quando as pessoas adoecem ficam inseguras e inquietas e não encontram ajuda com facilidade. Os centros de saúde, que seriam a resposta para estas situações de exceção, não o são na realidade porque estão desenhados para outro tipo de tarefas. Os médicos das Unidades de Saúde Familiar cumprem os seus deveres com medicina, essencialmente, programada e, portanto, têm pouca maleabilidade para responder a estes surtos. A fraca resposta dos centros de saúde faz com que os utentes, que tentam o médico de família e, na melhor das hipóteses, têm uma consulta daqui a alguns dias, encontrem nas urgências dos hospitais a única porta aberta”.
Como escreveu o Prof. Pitta Barros, um mestre da economia da Saúde, “tem sido evidente o caos criado pela recusa dos médicos em realizarem mais horas de trabalho extraordinário do que aquele que é devido, afetando dessa forma o funcionamento dos serviços de urgência no SNS, e gerando a necessidade de uma resposta de emergência. A resolução deste problema não será fácil nem imediato, e sobretudo a solução imediata que seja encontrada não será provavelmente uma solução duradoura”.
Mais uma vez, assim não vamos lá!

Autoria de:

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


Últimas

Geral

opiniao