Opinião: Nenhuma Igreja se cumpre de portas fechadas

Há uns dias, numa Conferência Episcopal Italiana que reuniu dezenas de bispos, o Papa Francisco pediu para não aceitarem seminaristas homossexuais no sacerdócio. Para se referir aos homossexuais, o Papa terá usado a expressão “frocciaggine”, uma palavra italiana extremamente ofensiva para nomear pessoas LGBT (“bicha”, em tradução livre), recebida com gargalhadas pela audiência. A celeuma não tardou: várias pessoas, em todo o mundo, mostraram-se indignadas com o termo utilizado e o porta-voz do Vaticano apressou-se a explicar que “o Papa nunca teve intenção de ofender ou de se exprimir em termos homofóbicos e pede desculpa a todos os que se sentiram ofendidos pela utilização de um termo referido por outros”. Há quem diga que a gaffe se deve ao facto de o italiano não ser a língua natural do Papa, que é de origem argentina. Os católicos defendem-no, dizem que não teve intenção de ofender. Mas ofendeu. E a maior ofensa nem é o insulto homofóbico chocante, principalmente vindo do Papa Francisco – e não apenas por vir do Papa, mas por vir de um homem que é, desde o primeiro dia, um mensageiro de esperança da mudança que a Igreja Católica tanto precisa. Mais do que a forma da mensagem, choca-me o conteúdo. Em 2024 a orientação sexual continua a ser um critério de exclusão do sacerdócio. Não há palavra mais chocante do que a realidade que este facto manifesta.
Segundo o porta-voz do Vaticano, o Sumo Pontífice está empenhado em garantir uma Igreja com “lugar para todos”, onde “ninguém é inútil, nem supérfluo”, mas é fácil perceber que ainda falta muito para o dia em que a Igreja será, efetivamente, um lugar de abertura, empatia e respeito. O último documento publicado sobre esta questão pela Igreja Católica, da responsabilidade do antecessor do Papa Francisco, Bento XVI, data de 2005 e determina que a Igreja deve rejeitar qualquer candidato que “pratica a homossexualidade ou apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas”. Desde então, a Igreja tem feito algum caminho, muito graças ao Papa Francisco, mas as posições tomadas em relação à comunidade LGBT continuam a ser insuficientes.
Em 2023, Francisco publicou um documento doutrinal que possibilita a bênção de casais homossexuais, mas o casamento entre pessoas do mesmo sexo continua a ser uma impossibilidade. O Papa também já se manifestou publicamente contra as leis que criminalizam a homossexualidade, referindo que “ser homossexual não é crime” mas frisando que “é pecado”. A ideia que sustenta a criminalização da homossexualidade – que o Papa Francisco condena – é a mesma que está por trás da ideia de pecado ou da exclusão do sacerdócio: é a ideia de que é errado duas pessoas do mesmo sexo apaixonarem-se. O Papa Francisco não pode ser contra uma coisa e a favor da outra porque ambas legitimam os preconceitos sobre a comunidade LGBT. Enquanto continuarmos a perpetuar a ideia de que a homossexualidade é errada – seja através da criminalização, da diferença de direitos ou de preconceitos de qualquer tipo – nunca chegaremos ao dia inicial, inteiro e limpo, em que seremos todos verdadeiramente iguais.
A homossexualidade não precisa de ser tolerada. Nem sequer precisa de ser aceite: a diferença não precisa que a aceitem, mas que a normalizem. Não há nada, absolutamente nada, de errado em ser homossexual. Não é crime, não é pecado, não é uma falha, não é um erro e, portanto, não tem nada de condenável. Já ser preconceituoso é muito condenável. A homofobia é uma crueldade, uma desumanidade e uma maldade, que tenho muita dificuldade em entender. E fazê-lo em nome de Deus é uma agravante. Deus – seja qual for a forma, nome ou credo que assuma para cada um de nós – é Amor. É abertura, compreensão e acolhimento. Acolher o próximo é acolher Deus. Foi isso que Ele nos disse: “todas as vezes que fizeram isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizeram” (Mateus 25, 40 ). Nenhum Deus fecha a porta a quem o procura. Nenhuma igreja se cumpre de portas fechadas.