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Opinião: Infraestruturas de transporte planeamos ou desenrascamos?

11 de junho às 09 h02
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Em Portugal, ouve-se muitas vezes que “não sabemos planear e recorremos ao desenrascanço”. Mas, quando se trata de infraestruturas de transporte, há quem diga que “é tempo de decidir, o país já estudou o que tinha para estudar”. Esta contradição levanta uma questão central: não sabemos planear ou já planeámos tudo?

Para refletir sobre esta questão, recorro a dois exemplos paradigmáticos: a rede ciclável e o sistema metrobus.
Portugal tem, desde 2019, uma Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC) 2020-2030, com o objetivo de tornar a bicicleta uma opção de mobilidade acessível, segura e atrativa. A ENMAC reconhece que os principais desafios da mobilidade se colocam nas cidades, e prevê que, em 2030, qualquer cidadão possa optar por deslocar-se em bicicleta. Para isso, define três eixos de intervenção: 1 ) Infraestruturas e intermodalidade; 2 ) Capacitação e apoio; e 3 ) Cultura e comportamentos.

A maioria das medidas propostas para o primeiro eixo foca-se no meio urbano: eliminar descontinuidades nas vias cicláveis, acalmar o tráfego, tornar interseções seguras, instalar estacionamentos de bicicleta, entre outras. Os municípios são os principais responsáveis por estas ações. As ciclovias intermunicipais e os percursos cicláveis de lazer e turismo, por sua vez, surgem apenas em duas medidas, com responsabilidades atribuídas a CIMs, Áreas Metropolitanas e ao Turismo de Portugal.

Em 2025, a ENMAC terá uma avaliação intercalar profunda. À luz dos relatórios de progresso anteriores, é previsível um desvio significativo face às metas definidas. Uma das razões é clara: a falta de programas de financiamento adequados, que eram reconhecidos na própria estratégia como fatores críticos de sucesso.

O caso de Coimbra ilustra bem esta realidade nacional. O município elaborou um Plano Ciclável, mas, sem acesso a verbas específicas (nacionais ou europeias), a sua concretização é forçosamente lenta. Em contrapartida, foi possível obter financiamento comunitário para a Ciclovia do Mondego, uma ecopista de 44 km entre Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, num investimento de 3,5 milhões de euros. Esta está, naturalmente, a avançar.

Isto levanta uma questão fundamental: são importantes as ciclovias intermunicipais? Sim, para lazer e turismo. Mas, se queremos promover a mobilidade ativa e atingir metas ambientais, as prioridades devem ser outras: criar redes urbanas cicláveis, extensas, conectadas e seguras. Contudo, o que está a ser feito é o oposto: constrói-se aquilo para o qual há financiamento, mesmo que isso não seja o mais prioritário. Por outro lado, imagine-se que o mesmo investimento poderia ser aplicado dentro das cidades envolvidas. Estaríamos a dar os primeiros passos para uma verdadeira rede urbana de mobilidade ativa.

Passemos ao segundo exemplo: os sistemas metrobus, que estão a surgir em várias cidades, com destaque para Coimbra. Trata-se de um projeto de grande complexidade, com impacto muito para além da mobilidade, que se estende ao desenvolvimento urbano, à sustentabilidade e à qualidade de vida.

As obras são promovidas pela Infraestruturas de Portugal, cabendo à sociedade Metro Mondego a contratação dos veículos e dos sistemas técnicos. A Câmara Municipal tem o papel de garantir que as intervenções servem o interesse público local.
Durante os preparativos, verificou-se que, sob o traçado do metrobus, existiam condutas de água e coletores de saneamento e drenagem que, dentro de poucos anos, precisariam de obras. Em vez de intervir mais tarde, com custos e prejuízos agravados, as entidades envolvidas articularam-se para antecipar essas obras e realizá-las antes da construção do canal do metrobus.

É um exemplo raro – mas valioso – de bom planeamento, com cooperação institucional e visão de longo prazo. Naturalmente, isto implicou adiar, em cerca de um ano, a entrada em funcionamento do sistema (a que acresce outro ano, devido a imprevistos de obra e contestação dos concursos públicos). Ainda assim, pesando tudo, foi uma decisão acertada. Estes dois casos mostram realidades distintas. No primeiro, temos uma estratégia bem definida, mas sem meios de implementação. No segundo, vemos um projeto estruturante que, usufruindo de planeamento e coordenação, adiou benefícios de curto prazo a bem de ganhos maiores no futuro.

A resposta à pergunta inicial, ao invés do planeamento, parece residir no financiamento e na falta de alinhamento com os objetivos a atingir. Não são as estratégias, os planos e as prioridades neles estabelecidas que ditam a ação, mas sim a existência (ou ausência) de fundos para a executar. A esta questão acresce a pressa com que se decide e se implementa quando o prazo dos fundos de financiamento se começa a aproximar. Vejamos o que vai acontecer com o PRR. Em suma, em Portugal, em vez de planearmos para agir, seguindo prioridades estratégicas, agimos em função das oportunidades financeiras. Será boa política?

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