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Opinião: Estação Coimbra-A, um novo “não-lugar”?

18 de janeiro às 11 h22
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O conceito de “não-lugar”, introduzido pelo antropólogo Marc Augé, designa espaços da cidade que, apesar de desempenharem funções práticas essenciais (estações de comboios, rodoviárias, centros comerciais, aeroportos, etc.), carecem de significado relacional, histórico ou identitário. Os não-lugares são, essencialmente, zonas de passagem, de transitoriedade e de anonimato, que tendem a afastar-se de uma relação íntima e comunitária com os seus utilizadores.
A condição de “não-lugar”, contudo, não é imutável. Existem múltiplos fatores ou combinações de fatores que podem alterar essa condição. O valor arquitetónico, a ocorrência de acontecimentos históricos significativos, a dinamização de espaços de interação ou até mesmo as nossas memórias podem conferir a “não-lugares” um valor afetivo que os eleva à condição de “lugares de pertença”.
Pode afirmar-se categoricamente que, nos seus quase 140 anos de história, a Estação Coimbra-A, ou Estação Nova, transcendeu a categoria de não-lugar. A escadaria deste emblemático edifício apresentava-se como a porta de entrada na cidade. A estação foi muito mais do que um espaço de trânsito para milhares de estudantes que chegaram a Coimbra com sonhos de um futuro promissor. Foi muito mais do que um lugar de trânsito para os que ali dedicaram uma vida de trabalho, para os que ali paravam para beber o café da manhã e conversar com amigos, para o comércio local e serviços que proliferaram à sua volta.
Os especialistas em transportes e mobilidade poderão discutir se é acertado substituir uma linha de comboios por uma linha de autocarros. Da perspetiva da Sociologia, no entanto, podemos afirmar que o encerramento de Coimbra-A fere a ligação emocional e identitária dos habitantes com a sua cidade, esvazia o espaço das suas funções comunitárias e simbólicas e transforma um marco de memória num simples espaço de passagem, numa quase ruína que corre o risco de ser destituída de significado coletivo.
Ao desarticular as dinâmicas que outrora promoviam interação social, o já consumado desmantelamento da sua função de mobilidade ferroviária deixa em aberto questões importantes e abre espaço para pensar Coimbra-A sob uma nova condição de “não-lugar”. Reverter essa possibilidade exige das autoridades e da comunidade um debate coletivo, genuinamente participativo e plural, que permita preservar o lugar que (até há menos de uma semana) a estação ocupava no tecido social e económico da cidade.

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