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Opinião: É proibido proibir

20 de junho às 09h09
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Falo do uso dos telemóveis na escola. Podíamos alargar esta guerra a outras instituições e geografias, mas a abordagem na escola poderá servir a outros contextos. Passando em revista as orientações da UNESCO, de governantes e altos responsáveis, de médicos e psicólogos, de ministros da educação, diretores de escolas, pais e alunos, deparamos com pontos de vista difíceis de conciliar, o que poderíamos resumir de forma simples: cada cabeça sua sentença. A meu ver, o debate deveria centrar-se entre proibir ou educar. Se proibimos, as crianças têm o sentimento de que a ditadura lhes caiu em cima, mas, e vendo bem, inibimos aprendizagens fundamentais do mundo que as espera; se educamos, estamos no caminho da democracia, do diálogo, do debate, analisando prós e contras e definindo regras, com todos, que respeitem a todos. A pedagogia está do lado da democracia.

Conhecemos os riscos dos telemóveis, sobretudo a distração e a falta de concentração, que alguns críticos associam a práticas de ensino que não são de hoje. De facto, os telemóveis não melhoram a audição das prédicas do professor, mas os riscos são reais. As vantagens, essas são de peso: os alunos ganham autonomia e meios para aceder diretamente à informação de forma imediata, adquirem competências digitais que são hoje a mola real do desenvolvimento e do progresso, além das facilidades de comunicação com os parceiros envolvidos nas aprendizagens, colegas e professores. A pandemia mostrou que as crianças das tecnologias, com smartfone e PC, resistiram melhor ao isolamento e ao encerramento das escolas.

Sem smartfone, termo que utilizo para distinguir o “telefone inteligente” do “telefone burro”, que só permite falar e trocar mensagens, mantemos a escola nos ambientes de trabalho do passado ultrapassado, quando é certo que as crianças e jovens de hoje nasceram e vivem noutro mundo. Se a escola o ignora, mantém e alimenta a fronteira que separa os operacionais inteligentes, ativos e pensantes, com iniciativa própria e espírito crítico, dos analfabetos sem meios para integrar o presente quanto mais para antecipar o futuro.

Se proibimos, “tout court”, não educamos, não formamos, não ajudamos a distinguir o bem do mal, não damos capacidades nem a consciência dos riscos, não preparamos para enfrentar armadilhas que espreitam ao virar da esquina. Sim, os riscos existem, desde o cyberbullying às fake news, à publicidade enganosa, à própria dependência e abuso dos ecrans, mas fazem parte dos processos de aprendizagem. Se não temos capacidade de prever e prevenir, o perigo espreita a cada momento. A escola deve preparar para enfrentar os riscos.

Como podemos proibir as crianças de usar os telemóveis se pais e mães são incapazes de dar dois passos sem estarem agarrados? O exemplo na família e na sociedade é poderoso. Passe o exagero, mas hoje as crianças nascem enquanto a mãe, agarrada ao telemóvel, em pleno trabalho de parto, atende a chamada do marido para informar que está tudo a correr bem e que a criança já resvala entre o útero e a marquesa. Ou quando uma mãe em licença de parto, na sua caminhada ou passeio pelo parque, segura com uma mão o telemóvel e com a outra empurra o carrinho onde a criança esperneia e desespera impaciente por um simples olhar e um sorriso. Não, o telemóvel está primeiro! Só me queixo das mães? Os homens não estão isentos de culpas idênticas, mas têm a sorte de não entrar em trabalho de parto e geralmente nem têm licença de paternidade. Os telemóveis não são inocentes e os bons exemplos nem sempre vêm de cima.

As crianças nascem e vivem no raio de ação dos telemóveis, ainda mal dão os primeiros passos e já têm um telemóvel que as ocupe para não chatearem ninguém. Aprendem intuitivamente a manipular e descobrem o que muitos adultos procuram em vão. Aprendem os telemóveis como aprendem a andar, ou a falar, simplesmente vendo, ouvindo e experimentando. E descobrem muitas vezes o que nós adultos não vemos. E ensinam aos “mais velhos” o que descobriram por tentativas e erros.

Aprender as tecnologias é hoje tão urgente como aprender a andar, a falar, a escrever, a contar e em muitos casos prioritário. As tecnologias não ensinam a andar, mas ensinam ou ajudam a aprender as outras competências e a sentir a necessidade de as adquirir. Tudo está ligado.

O problema que sobra é o das crianças e jovens que não têm PC – relembro: Personal Computer -, nem smartfone, e que em casa ficam privados de “estar ligados”, o que significa, sem acesso a todo o tipo de informação que a net disponibiliza sem limitações e sem horários, e ficam sem ligação aos professores e aos colegas e amigos, tantas vezes companheiros de trabalho.

Este foi o isolamento que mais sofreram e mais os atrasou. O PC e o smartfone devem fazer parte obrigatória do equipamento escolar, dando às escolas os meios para colmatar esta brecha, e dando às crianças sem meios o acesso a estes instrumentos de trabalho. Na verdade, é aqui que a proibição doi mais, porque é aqui que atinge o maior grau de severidade. As crianças pobres estão proibidas de falar ao telefone, de enviar e receber emails, de recorrer ao Google e à Wikipédia e de perceber que a falta de inteligência natural dos responsáveis é mais difícil de entender e aceitar do que a inteligência artificial.

Autoria de:

José Afonso Baptista

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