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Opinião: Dos judeus à Inquisição

02 de março às 10h59
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Nestes cárceres estão de ordinário quatro, e cinco homens; e às vezes mais, conforme o número de presos que há; e a cada um se lhe dá um cântaro de água para oito dias (e se acaba antes, tem paciência) e outro mais para a urina, com um serviço para as necessidades, que também aos oito dias se despejam: e, sendo tantos os em que se conservam aquela imundícia, é incrível o que nele padecem estes miseráveis, e no Verão são tantos os bichos, que andam os cárceres cheios, e os fedores tão excessivos, que é benefício de Deus sair dali homem vivo.

E bem mostram os rostos de todos, quando saem nos Actos, o tratamento que lá tiveram, pois vêm em estado que ninguém os reconhece”.

Este excerto pode ler-se na interessante exposição subordinada ao tema “Judeus de Coimbra – Da tolerância à perseguição – Memórias e materialidades”, que está aberta ao público no Pátio da Inquisição – e que foi visitada no passado sábado por algumas dezenas de membros da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra (AAEC).

O impressionante naco de prosa acima reproduzido, foi retirado da obra intitulada “Notícias Recônditas do Modo de Proceder a Inquisição de Portugal com os Seus Presos”.

Apesar de não ter fino recorte literário, é da autoria de um dos mais brilhantes oradores portugueses de todos os tempos: o Padre António Vieira.

E não podia haver quem melhor descrevesse os horrores a que a Inquisição submetia quem lhe caía nas malhas, já que o Padre António Vieira os sentiu na pele, pois esteve cativo mais de dois anos (de 1665 a 1667 ) naquele mesmo local onde agora pode ver-se esta imperdível amostra do que foi a Inquisição.

Trata-se de um edifício com cerca de 470 anos, que começou por ser o Grande Refeitório do Real Colégio das Artes, acolhendo estudos dedicados às artes e às humanidades, e que viria a ser ocupado pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, que ali funcionou até ser extinto, em 1821.

Dois séculos volvidos, a Câmara Municipal de Coimbra decidiu, em boa hora, ali instalar esta excelente exposição, que tem como curadora a dr.ª Berta Duarte – que teve a gentileza de guiar os antigos estudantes nesta interessantíssima visita.

Para além do privilégio de poder avaliar o que foi tenebrosa Inquisição no preciso local onde ela funcionou, esta mostra tem muitos outros aspectos relevantes, que não só justificam, como impõem uma visita.

Ali fica a conhecer-se, com muitos pormenores surpreendentes, como evoluiu a presença dos judeus em Coimbra.

Através de fotografias, de objectos (alguns preciosos), de reconstituições, de informações históricas, são revelados detalhes muito curiosos sobre a longa permanência em Coimbra de comunidades judaicas.

Oxalá esta exposição seja o primeiro passo para que a Câmara Municipal de Coimbra continue a recuperar aquele vetusto edifício, com quase cinco séculos de História, e que ele venha a ser transformado num verdadeiro e original Museu da Inquisição, assim enriquecendo o património histórico desta cidade e do próprio País.

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