Opinião: Coimbra: é urgente!
Com base nas notícias que corriam por aí, Álvaro Domingues concluía, em 2001, que Coimbra tinha atingido “…um estado patológico de difícil resolução: complexos de identidade, ansiedade, dupla personalidade, autismo, problemas de afirmação, excesso de passado, futuro incerto, enfim… algo assim como uma nobreza arruinada com o brasão mais roído que a Porta Especiosa da velha Sé a rebentar de vegetação por entre pedras seculares. Uma ruína! (Público,“Coimbra do Choupal já não és capital”, 31.jan 2001 )
Numa situação tão complexa como esta, era evidente a necessidade de deitar Coimbra no divã. Por isso – e para isso – Álvaro Domingues tentou identificar as causas deste estado patológico e lembra-nos que elas podem ter raízes muito antigas, isto é, podem estar tão enraizadas que a terapia necessária é de choque! Por isso, rematava dizendo que as “…cidades agora crescem aos encontrões e há muito que Coimbra não apanha com um”, ou seja, precisava de um abanão!
Isto foi há 23 anos e uns meses! Desde então, passou muito tempo e Coimbra não levou com uma Expo ou uma Cimeira Ibero-qualquer coisa em cima, isto é, não levou com os encontrões que o Álvaro achava que podiam tratar Coimbra, mas levou com outros.
No entanto, o diagnóstico que ele fez perdura e alguns sintomas até se agravaram, ou seja, Coimbra não terá levado propriamente com encontrões, mas talvez (apenas) com uns empurrões. Levou com um Estádio do Euro com os Rolling Stones em cima, mas a Académica está em baixo; levou com uma Capital Nacional da Cultura, mas não ganhou músculo para ser Europeia; levou com um selo da UNESCO em cima da Alta e da Baixa, mas não só não deixou de andar pelas ruas da amargura, como a amargura não larga a RUAS; a cidade inteira levou com Santa Clara-a-Nova em cima às custas da AnoZero, mas agora querem dar o Convento apenas aos que vêm dormir a Coimbra umas noites bem pagas; está a levar com um autocarro obrigado a chamar-se metro, mas ele ainda só transporta atrasos nas obras e troncos de árvores cortadas por dá cá aquela palha; agora está a preparar-se para levar com um comboio de alta velocidade em cima, mas parece que tudo se encaminha para não ser um dos encontrões que o Álvaro dizia que Coimbra precisa, mas apenas mais um empurrão.
De uma maneira ou de outra, é o espaço urbano de Coimbra que regista o resultado desses empurrões e, por isso mesmo, esses resultados perduram. O espaço público, os edifícios, as estradas, as pontes, os viadutos, belos ou horríveis, fazem perdurar os impactos dos empurrões que tem levado.
Por isso: é urgente pensar Coimbra a partir do seu espaço urbano; é urgente fazer com que o espaço urbano não seja o resultado casuístico de encontrões que afinal não passam de empurrões; é urgente que o espaço urbano seja qualificado!
Por isso, é urgente que as pessoas estejam no centro do desenho urbano!
Pois bem, em todos os empurrões com que Coimbra tem levado há pelo menos um denominador comum que importa destacar, pois poderá ser ele que precisa levar com um encontrão para que outros encontrões possam ter lugar: líderes sem sensibilidade para a importância do desenho urbano.
Parece ser uma sentença que Coimbra está a cumprir há décadas. Parece que foi condenada a ter líderes sem sensibilidade para o desenho urbano. Para o desenho e para o desígnio, que são conceitos irmãos, uma vez que numa cidade tudo está relacionado com tudo,
Assim, acreditando que é este o encontrão com que Coimbra tem de levar, há uma urgência maior: não acreditar que esse encontrão advirá do acaso; não acreditar que estamos condenados a ter de esperar ciclos de 4 anos para levar com este encontrão.
É urgente construir(mos) esse líder! É urgente querer-se esse líder!
É urgente termos um líder assim e – como diria a Cátia Oliveira, se ela cantasse Coimbra –, é urgente reinventar o espaço urbano da nossa cidade. É urgente fazermos um caderno de encargos para que os líderes de Coimbra não consigam dizer que os pavimentos dos espaços públicos podem ser de uma cor qualquer, como disse o atual presidente da Câmara Municipal. É urgente fazermos um caderno de encargos para que as milhares de árvores que serão (?) plantadas em Coimbra no próximo ano e meio, não sejam reduzidas a números, mas ampliadas pela beleza que poderão criar no espaço urbano. É urgente fazermos um caderno de encargos para que o espaço urbano do centro de Coimbra seja para as pessoas e não para os automóveis. Menos ainda para os automóveis que não querem vir para o centro da cidade, mas apenas pretendem atravessá-lo.
É urgente fazer estes cadernos de encargos para Coimbra, para que aqueles que querem ser seus líderes não precisem de pensar muito, mas apenas executá-los.
Sem um encontrão destes, arriscamo-nos a que o Álvaro Domingues possa republicar o texto que publicou há 23 anos.