Opinião: Bem-vindo à Argentina
15 de outubro de 2002, próximo destino Argentina. Saído de Bissau, acabado de casar e no começo da lua de mel. No imaginário, Gardel, Borges, Piazzolla, Maradona e Fangio. Foi em Buenos Aires que nasceu o João e que conheci algumas das pessoas mais encantadoras com que me cruzei nestas lides diplomáticas.
A Argentina um país fascinante, mas que vivia então tempos muito difíceis e um dos períodos mais traumáticos da sua história. As imagens que passavam na comunicação social preocupavam família e amigos. Para mim seria mais um desafio.
Na pior crise económica desde a independência, Fernando de la Rúa, Presidente desde 1999, e o seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, decretaram o infame corralito, o congelamento de depósitos bancários e retiradas de fundos que bloquearam quase 70 mil milhões de dólares aos cidadãos argentinos.
A medida, que visava impedir o colapso do sistema financeiro face a uma corrida aos bancos que já retirara dezenas de milhares de milhões de dólares dos cofres nacionais, causou imediata revolta popular, violentos protestos, greves e saques. Os dramáticos confrontos com as forças de segurança, e até alguns civis armados, culminaram na imposição de um estado de emergência e no trágico massacre da Plaza de Mayo. Vinte e sete mortos e dois mil feridos acabaram por fazer cair De la Rúa, cuja fuga da Casa Rosada de helicóptero, num quente e sufocante pôr-do-sol, ficará para sempre gravada na memória coletiva argentina através de uma icónica fotografia. Numa instabilidade política quase inaudita, o país teve cinco presidentes numa só semana.
A demissão presidencial, no entanto, não resolveu a Grande Depressão Argentina. Na última semana de 2001, o país declarou um default de quase 100 mil milhões de dólares, o maior da história mundial, equivalente a um sétimo de todo o dinheiro emprestado pelo então chamado Terceiro Mundo.
Depois de tudo o que vivi em Bissau, achava-me maduro. Buenos Aires e as comunidades portuguesas na Argentina seriam, por comparação, tranquilas. O período conturbado por que passaram, no entanto, provou-me errado. Uma vez mais, vi a resiliência dos nossos compatriotas espalhados pelo mundo, desta feita no país das Pampas, e de que, proximamente, vos falarei.