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Opinião: As cheias e inundações incontroláveis

05 de dezembro às 11h53
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Yuval Noah Harari afirma que a religião, melhor dizendo, as religiões, foram, até hoje, a invenção humana de maior sucesso. O segredo desse sucesso está na progressiva dimensão das redes de informação.

Foi o “milagre” das redes de informação que deu às religiões, para o bem e para o mal, o poder de configurar o mundo tal como existe (Nexus, A Brief History of Information Networks from the Stone Age to AI, Penguin 2024 ).

A história do nosso país e a história do mundo tiveram como principal força motriz o poder das religiões, que congregam milhões, biliões, de pessoas, inspiradas e confortadas pelos diferentes deuses e pela maior diversidade de santos e santas.

Mesmo um país dito laico, como o nosso, vive ao ritmo do calendário religioso e à sombra de um número infinito de templos, de igrejas, de capelas, de cruzeiros e tantos símbolos que alimentam e confortam os espíritos de tantas pessoas. Até aqui a evolução da história foi obra apenas das redes humanas e das suas progressivas invenções, desde a escrita, ao telefone, à rádio e à televisão. O poder controlador do ser humano tranquilizava os espíritos.

O computador e a inteligência artificial são igualmente invenções do ser humano, poderosíssimas, a diferença está em que o ser humano perdeu o seu controlo. À medida que o computador avança no domínio da linguagem e é capaz de gerar o seu próprio discurso, o risco real é o da deslocação do poder do homem para a máquina. São incontáveis as narrativas produzidas pela máquina divulgadas como se tivessem sido criações humanas. O homem inventou a máquina, mas perdeu o poder de a controlar. O perigo é real e está à vista de todos.

O século XXI gerou por isso um dilema muito difícil de gerir. A inteligência artificial tem a capacidade para conceber um mundo novo, um mundo melhor, que controle e solucione os graves problemas que nos ameaçam, que ameaçam mesmo a vida no planeta. Kai-Fu Lee e Chen Qiufan (Inteligência Articicial 2041, Relógio d’Água, 2023 ), através de dez narrativas que analisam e perspetivam as mudanças previsíveis nos vários quadrantes da vida diária até 2041, desde a economia, a medicina, a educação, o trabalho, o bem-estar, defendem que os referidos problemas podem ser resolvidos através de uma boa relação homem-máquina. A eliminação da pobreza e da fome pode deixar de ser simples promessa eleitoral e tornar-se realidade. A resistência maior está nos “donos disto tudo”, que controlam os mecanismos da economia e da informação, que serão sempre a face do egoísmo que os leva a preferir assisitir à morte dos filhos e netos a abdicar dos seus privilégios. Dominar a informação e a economia são os dois trunfos mais fortes do poder. A santa aliança entre Elon Musk e Donald Trump são a receita perfeita. E vencedora. Quem venceu nos Estados Unidos foram os “campeões” da informação e da economia. As regras do jogo? Não interessa!

Ninguém pára a Inteligência Artificial. É hoje a invenção do ser humano que pode igualar ou mesmo superar a dimensão das redes que ligam os biliões de crentes das várias religiões. Menosprezar a sua força e o seu poder de penetração no mundo da informação seria um erro crasso. Governantes laicos e ateus dão as mãos aos mais poderosos representantes da Igreja para atrair, ou pelo menos não afastar, os votantes que são crentes. Não preciso de lembrar o que, em Portugal ou nos EUA, esteve à vista de todos. Seria um erro renegar e fugir da IA apesar dos riscos e perigos que envolve, por várias razões. É o maior e melhor instrumento para mudar e melhorar o mundo em que vivemos, para combater as ameaças do clima, para retirar milhões de pessoas da fome e da pobreza, para combater as desigualdades gritantes. A IA surgiu como uma avalanche irresistível, uma inundação incontrolável. Não podemos impedir a sua força gigantesca e cruel, poderemos apenas prever, prevenir, aprender a controlar e a usufruir dos seus infindáveis benefícios. A história do Egito é a prova de que aprender a controlar e a explorar as cheias do Nilo foi a base da sua economia e do seu sucesso. Foi preciso construir diques, barragens, reservatórios. Foi preciso aprender.

A escola é hoje o espaço por onde passam obrigatoriamente todos os cidadãos. A educação é um direito desde o nascimento até à morte. São dois trunfos mal aproveitados e até desprezados. A IA é hoje o professor sempre presente, o manual sempre à mão, passe o pleonasmo, a memória sem limites, o dicionário plurilingue indispensável.

Recusar a IA e os seus intrumentos, antes de mais o computador, mas também o smartfone, com regras, repito, com regras, seria recusar os mais valiosos apoios que a família e a escola alguma vez conheceram. Prevenir os incêndios, prevenir as enxurradas, prevenir as doenças, são aprendizagens que salvam e prolongam vidas. Aprender a usar bem as tecnologias, na família e obrigatoriamente na escola, é um passo de gigante.

Mais, hoje tudo deve começar por aí. São as melhores ferramentas para aprender. Válido para alunos e professores. Quem não o entenda não vive neste mundo. É preciso aprender a usar e a prevenir os riscos.

Autoria de:

José Afonso Baptista

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