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Opinião: “Afinal para que serve a justiça”

03 de maio às 11h01
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A pergunta é retórica e é do senso comum que a justiça é o garante da paz social e que não é lícito fazer justiça pelas próprias mãos.
Vale isto para todos os ramos do Direito, o que é o mesmo que dizer que se aplica a todas as áreas da vida em comunidade.
Por isso é tão importante que funcione. E “funcionar” significa qualidade e celeridade.
A resposta que o Sistema Judicial (Estado) dá aos cidadãos tem que ser em tempo útil, sob pena de não ser eficaz e não servir o seu escopo primacial.
Deixo aqui alguns exemplos simples:
Imagine o leitor que vai a circular numa qualquer autoestrada concessionada e que embate, por exemplo, em javalis que se atravessam na estrada e que tem um acidente.
O sinistro provocou “apenas” ferimentos ligeiros e danos patrimoniais cujo montante global até nem é elevado. Manda o bom senso que tente primeiro resolver com a concessionária.
Só que não vai conseguir porque, esta, ciente da ineficiência da justiça, vai declinar a responsabilidade na produção do sinistro.
Resta-lhe o recurso aos Tribunais. E a competência para a resolução de acidentes de viação que envolvem a responsabilidade de concessionárias é dos famigerados tribunais administrativos e fiscais (TAF’s), o que significa que o leitor vai andar muitos e muitos anos em Tribunal para conseguir obter uma sentença.
Entretanto teve que arcar com todas as despesas do seu bolso, quer seja despesas de saúde, reparação do veículo, o prejuízo pela paralisação do automóvel, os custos inerentes ao recurso ao Tribunal, como as despesas e honorários com Advogado e as exorbitantes custas judiciais.
Quando o processo por fim terminar, e partindo do princípio que a sentença lhe é favorável, entre as despesas materiais e os custos emocionais, que um litígio sempre acarreta, o saldo muito dificilmente é positivo.
Imaginemos agora que o leitor teve o infortúnio de ser vítima de negligência médica num Hospital do Estado.
Às enormes adversidades da dificuldade na obtenção da prova, somam-se os anos intermináveis de duração do processo no TAF.
Uma autêntica via sacra que pode durar 15, 20 anos.
Imagine também o leitor que ficou prejudicado na classificação num determinado concurso para progressão na carreira e que o quer impugnar, ou que quer suspender ou anular a eficácia de um determinado acto administrativo.
Conte com longos anos de pendência no TAF e com a resolução do litígio para as calendas.
Entretanto a vida dos cidadãos fica suspensa, com grave prejuízo.
Recordo que a jurisdição administrativa e fiscal é o foro privativo do Estado, com legislação feita à sua medida e interesses, e que é nele que os cidadãos têm que travar as suas batalhas, ou seja, estão sempre a jogar no campo do adversário.
Quando ouvimos falar na reforma da justiça pensamos em abstrações mas, se descermos aos exemplos concretos e reais, facilmente percebemos como ela é necessária e como o funcionamento da Justiça está tão desfasado dos interesses do povo, em nome, de resto, de quem é administrada.
Mas não são só os TAF’s que funcionam mal.
Basta pensar nas intermináveis investigações criminais, na dificuldade de cobrança de dívidas e de executar sentenças, na jurisdição da família e menores, de comércio, citando apenas alguns exemplos que nos mostram que o sistema judicial não está a servir os cidadãos, o que agrava os custos de contexto para a economia e que têm sido apontados por várias entidades internacionais.
E isso leva à grave crise da confiança na justiça.
E o OE para 2022 destina, sensivelmente, apenas 0,7% ao sector da justiça, o que demonstra bem o desinvestimento do governo nesta área de soberania.

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