Opinião: A Entrudada dos Estudantes

Nos tempos em que as modas do samba carioca ainda não tinham chegado a Portugal, e as máscaras Venezianas não alcançavam as bolsas de todos, o Carnaval corria a população pelo nome de Entrudo, antecipando a entrada da Quaresma. O teor das festas era diferente do actual consistindo na expiação dos monstros invernais com a vinda do solstício. Caricatamente, uma das expiações mais comuns era o arremesso de ovos às pessoas. As brincadeiras do Entrudo chegavam a virar autênticas batalhas campais onde participavam também outros hortícolas famosos da altura como laranjas, limões, nabos e farinha. Não será de espantar então que algumas destas partidas prenunciavam incómodo para muita gente. Tal foi o caso do Entrudo de 1854 em Coimbra, em que um escalar de zaragatas levou a uma intervenção do Governo.
Reunia-se a juventude Académica na Praça 8 de Maio a jogar uma tourada em caricatura enquanto que os Futricas observavam das suas janelas. Uma dessas janelas era habitada por João Figueiredo Lima, que por ter bazófia de ser valente era conhecido por “Lima Valentão”, e sua esposa. Eis então que é arremessado do grupo de estudantes um ovo, que vitima a bonita esposa de Lima Valentão. Este, num surto de raiva, profere uma dissertação de insultos aos Estudantes, contra-argumentando com um pote de barro que convence somente a calçada, e firma o argumento final com o empunhamento da sua espingarda. Exaltados os Estudantes assolam pela porta da casa de Lima Valentão que se teve de evadir pelo telhado.
No piso térreo, outros futricas juntam-se à algazarra travando vias de facto com frutas e pêras distribuídas solidariamente entre todos. Teve então que vir a Guarda com o corpo de intervenção e à lei do cassetete pôs termo à discussão.
A desordem parecia estar contida mas o sossego foi de pouca dura. À noite reuniu-se a Academia no Largo da Feira (Sé Nova) onde tinha chegado a falsa notícia de que os Futricas da Baixa se estavam a armar para assaltarem a Alta. Alguns estudantes mais aguerridos, incitaram a hoste a invadir a Baixa, numa demonstração de força. Apesar de várias clamações por prudência, as seis centenas de presentes acabaram por marchar em direção ao Arco de Almedina.
Ao mesmo tempo na Baixa corria o rumor de que os Estudantes queriam incendiar a cidade o que levou à realização da profecia, infundada até então, com os Futricas a se barricarem nas suas casas e empunhando os seus bacamartes. Os Estudantes são então recebidos com descargas de pólvora da qual resultaram bastantes feridos, acabando por se retirar.
No dia seguinte os ânimos permaneciam exaltados e avizinhava-se mais um dia de confrontos, mesmo com a Guarda de volta às ruas da cidade. Para evitar confrontação, os Académicos mudam de ideias e resolvem dirigir-se para Lisboa. A pé. Na quarta-feira de cinzas sai então uma delegação de duas centenas a fim de apresentar aos Ministros do Reino queixa contra os habitantes de Coimbra (ou até de relocalizar a Universidade para o convento de Mafra, segundo alguns relatos mais criativos). Esta delegação chega a Tomar no dia seguinte onde são recebidos por uma delegação do Governo que os convence a regressar à cidade com amnistia e perdão das faltas às aulas!
Mesmo depois desta “Tomarada” ainda havia quem continuasse descontente. Alguns estudantes formaram uma sociedade secreta, a “Liga Académica” que foi apadrinhada pela Carbonária e tinha por intuito o auxílio dos sócios, a independência Académica e afastamento das relações com os habitantes de Coimbra. Da parte da Universidade, o continuar da indisciplina levou ao reforço dos poderes da Polícia Académica, a alterações ao traje Académico, a mais uma proibição (fútil) do uso de armas e, muito mais gravosamente, à proibição de “bigodes e outros atavios impróprios, assim como de cigarrar na Via Latina e dentro dos Geraes”.