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Opinião: A cadeira do Almirante

27 de dezembro às 12h03
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As imagens têm um poder que ultrapassa as palavras, e nenhuma é escolhida ao acaso quando se trata de construir perceções. A fotografia do almirante Gouveia e Melo, publicada na revista Sábado a 5 de dezembro, é exemplo perfeito disso. Lá está ele, sentado numa cadeira de madeira pesada, uniforme de gala impecável, olhar sério. Um homem que, sem dizer uma palavra, parece carregar o peso de um futuro político sobre os ombros. O texto que acompanha a imagem é breve, mas significativo: não vai continuar à frente da Marinha, porque “o seu objetivo é outro”.
E o que é esse objetivo? Os media não o dizem, mas deixam claro que o caminho está traçado. É aqui que entra a teoria do agendamento: os media não nos dizem o que pensar, mas sim onde focar a nossa atenção. Como escreveu Maxwell McCombs, pai fundador dessa teoria, “o que os media mais destacam tende a tornar-se o que o público considera mais importante”. Desta forma, Gouveia e Melo emerge não como uma ideia vaga, mas como um protagonista cuidadosamente elaborado.
Diz a teoria que os media não nos dizem apenas em quem pensar, também fornecem os atributos das pessoas que dominam os nossos pensamentos. A mensagem da imagem é clara: robustez, serviço, responsabilidade. A cadeira pesada não está lá por acaso – lembra um trono, é símbolo de estabilidade. O uniforme reforça o sentido de missão. E o olhar sério transmite compromisso. Tudo compõe o retrato de um homem que não só aceita desafios, mas que os procura. Mais importante, um homem em quem os media, com uma eficácia quase cirúrgica, sugerem que podemos confiar.
Mas é preciso perceber o contexto maior. Numa altura em que os partidos estão desgastados, as lideranças tradicionais são descritas como incapazes de cativar, Gouveia e Melo aparece como o antídoto para o descrédito. Um homem de fora da arena política, mas que sabe como liderar. Uma figura que carrega em si promessas de ordem, rigor e eficácia – qualidades, segundo os discursos populares, raras na vida política. E os media, atentos a este desejo coletivo de uma figura redentora, amplificam a imagem. Sem o dizerem diretamente, sugerem-na como solução para uma crise que todos sentimos, mas poucos sabem como resolver.
É este o verdadeiro poder dos media: sugerir sem impor, insinuar sem afirmar. Salientando um tópico, colorindo-o com atributos. Ao repetir a imagem de Gouveia e Melo, ao destacar os seus atributos, criam uma narrativa que orienta as nossas escolhas. Fazem-nos acreditar que é opção antes mesmo de ele se declarar como tal.
Quem escolheu a cadeira pesada do Almirante? Afinal, que é a democracia senão o reflexo das histórias que decidimos contar – e das histórias que nos contam?

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1 Comentário

  1. Manuel Góis diz:

    Por tudo o que tenho lido a seu respeito, parece-me a pessoa certa para ocupar o cargo de PR. Portugal precisa urgentemente de alguém com capacidades para arrumar a casa. De alguém que tudo faça para por termo á corrupção, pois, como todos sabemos, leva qualquer país à falência.

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