Fogo dificulta futuro de aldeia do Fundão onde a cereja era rainha
Cerejais queimados na serra da Guardunha
A Enxabarda, no Fundão, ganhou nova vida há mais de 20 anos, quando começou a converter mato em pomares de cerejeiras. Com a passagem do fogo, as dezenas de hectares de cerejal ardido tornam o futuro mais difícil. Na Enxabarda, aldeia com perto de 200 pessoas situada na Serra da Gardunha, as histórias repetem-se entre produtores, que trocaram há 20 ou 25 anos outros empregos por projetos de agricultura, mais especificamente a cereja, transformando montes onde predominava mato em pomares que estavam em plena produção.
Com a passagem do incêndio que começou em Arganil e que por ali desceu no espaço de horas a Serra de Lavacolhos e rodeou a aldeia, repetem-se as histórias de perdas e vão-se contabilizando os hectares de cerejal ardido. No café, ou se fala do fogo ou se fica em silêncio, conta à agência Lusa Sara Martins, 42 anos, que tem pomares de 2013, seguindo os passos da sua mãe que trocou o emprego fabril pela cereja, fruto que é também marca de toda uma região.
Às tantas, Sara admite que já nem sabe se prefere o silêncio se o repetir das histórias e dos desabafos sobre o fogo. Entre a Sara, a mãe Maria José, o marido e o pai, são cerca de 50 hectares de pomares espalhados pelas encostas próximas da Enxabarda. Terão ardido entre sete e oito hectares, mas outros oito têm apenas dois anos e ainda não produzem: “Os filhos mais novos”, conta.
Depois de “dois murros” neste ano e de em 2024 com granizo e geada que afetaram uma parte considerável da campanha, o incêndio obriga os produtores a pensar “duas vezes nos investimentos que se fazem”, diz à agência Lusa Sara Martins. A agricultora formada em agronomia conduz um jipe por uma estrada de terra onde se vê pinhal e mato ardido, entre pomares também queimados. Outros, verdes, contam histórias de resistência sem um pingo de água que tenha lá sido colocado quando as chamas passaram.
Olhando para a forma como o incêndio andou por aquela serra e para a resistência que vários pomares garantiram, Sara lamenta a falta de planeamento e organização, considerando que as máquinas de rasto não deveriam andar apenas nas “horas dos nervos” dos incêndios, mas meses antes a fazer estradões e aceiros “com tempo e com planos”. “Isto são cerejeiras”, diz Sara, apontando para árvores enegrecidas, sendo logo corrigida pela mãe, que tenta conter as lágrimas: “Eram”. Depois de ter estudado no Algarve e ter estado seis a sete anos fora da Enxabarda, Sara regressou à sua terra e tinha pomares desde 2013, tendo começado a colher cereja há “meia dúzia de anos”. Além das árvores queimadas, conta, é preciso olhar para cerejeiras que, mesmo não tendo ardido, poderão não dar fruto no próximo ano.


