Opinião: Em Goa, ainda se canta o fado Índia – 2017

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A Índia é um mundo à parte, um planeta longínquo a que chegámos há mais de quinhentos anos e por onde ficámos outro meio milénio. Foi por isso que ao viajar para este país tenha optado por desembarcar no aeroporto de Goa. Como cidade, Goa já desapareceu há muito, no século XIX, flagelada por uma peste que obrigou as autoridades do nosso reino a arrasarem a urbe, poupando unicamente as principais igrejas, como a Sé Catedral ou a igreja do Bom Jesus de Goa, a que alberga os restos mortais de São Francisco Xavier. O resto, foi varrido da face da terra e a capital foi transferida para Pangim. Hoje, este nome não indica a cidade que tanto lemos nos livros de História, mas uma região que engloba outros centros urbanos como é o caso de Vasco da Gama ou de Margão.
É uma experiência única vaguear pelas ruas de Pangim, escritas na língua de Camões, e encontrar goeses que não só falam a mesma língua que eu como têm um sentimento de carinho para comigo muito pouco usual, como se resultasse da pertença a uma mesma matriz. Aqui conheci o senhor Francisco Fonseca, que canta o fado, tendo sido até convidado para atuar na visita do nosso Primeiro Ministro, António Costa, que também aqui tem as suas origens. O “Chico”, como os seus amigos lhe chamam, partilha da sua paixão pela minha, ou melhor, a nossa cultura, ou nacionalidade. Junto à sua casa, na rua de Ourém, após uma conversa muito apaixonada sobre aquilo que nos une, não se conteve e fez questão de cantar a viva voz um fado de Coimbra. Nesse momento, encantou-me estar ali, vidrado, a ouvir esta música tão minha, mas no outro lado do mundo, saída de uma voz que a cantava com um sentimento tão português.
Na igreja da Imaculada Conceição, a principal de Pangim, há missa em português aos domingos, pelas 10:30. No seu interior, repousam os túmulos seculares de individualidades nacionais que escolheram este solo sagrado para sua morada eterna. As lojas mantêm nomes que nos são tão característicos, bem como alguns pratos que se comem por cá, como a feijoada ou alguma doçaria, que facilmente se encontra em alguns restaurantes. A arquitetura colonial é soberba, elevando o bairro das Fontaínhas a uma das pérolas do património lusitano além ares hoje sobrevoados por aqueles que aqui procuram praias paradisíacas ou restos da nossa História.
A Velha Goa, vista do alto da Igreja da nossa Senhora do Monte, é uma autêntica selva, onde o verde se impõe implacavelmente. Não ficamos indiferentes quando entramos no seu museu arqueológico e nos deparamos com uma enorme estátua de Afonso de Albuquerque e outra, ainda maior, de Camões. Há sentimentos difíceis de explicar, e não me refiro ao saudosismo. Na Biblioteca Municipal, subi ao sexto piso, dedicado aos livros portugueses. Em várias prateleiras, tive livre acesso a séculos de literatura que ali fomos depositando, pegando, com muito cuidado, em manuscritos do século XVI que estavam mesmo à mão de semear. Aí, falei com todos os funcionários na minha língua. Sinto-me bem-vindo. O mesmo senti ao entrar numa igreja, dizer que era português, e fazerem-me aquela expressão de congratulação por vir do país que trouxe tanta coisa para ali.
Aceitei um convite que aqui me foi feito e dei uma aula de História da Expansão Portuguesa na Universidade de Goa para uma turma de indianos que aqui querem aprender a nossa língua, história e cultura, gente muito curiosa do meu país. Após vários dias de vivências intensas, saí daqui consumido por um forte sentimento, um anseio de querer regressar a uma terra onde me senti como numa casa próxima da minha.

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