Opinião: À Mesa com Portugal

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Gostava mesmo de não enjoar o Natal. Não é fácil, mas lá vou tentando. O exercício passa por não reparar no cenário visual e sonoro que é criado com muita antecedência. Quase que acabámos de sair do Verão e já a grande distribuição nos apoquenta com as promoções antecipadas das prendas natal.

Faz lembrar os anúncios que, ainda estamos nós a regalar-nos na praia, já nos ensurdecem com as promoções do regresso às aulas. Maldosos, digo eu. Mas voltando ao tema, é difícil evitar o ambiente “natalício” que se vive em qualquer lugar. É certo que gostamos de música de natal, mas ouvi-la durante quase um mês deixa-nos zonzos com aquele barulho constante dos sininhos.

Claro que adoramos as decorações da época. Mas já não fazem diferença. Fazem parte de um cenário que já não nos emociona. Mas adiante. A última grande praga são os eventos de natal, só comparável à das feiras medievais. Pista de gelo, uns putos vestidos de duendes, elfos e um barbudo, já entrado na idade, vestido de pai natal.

Antes, só nas grandes cidades, agora vários municípios deixaram-se seduzir pela moda. Desta versão simples à mais complexa como a do mega evento criado em Algés que tanta polémica tem dado, há várias coisas que me custam.

Numa altura em que se fala tanto de sustentabilidade, estranho que se crie um mundo artificial de frio, gelo e neve que deve precisar de enormes quantidades de energia para se manter. Vendem-nos a ideia de que, no nosso quotidiano, devemos optar por consumos que não ponham em causa a preservação do planeta afirmando que a prática de cada um faz diferença e depois é isto.

Num país de clima temperado onde os Invernos começam a ser quentes e nem na Serra da Estrela é fácil ter neve a sério, é de crer que estes parques temáticos de natal exijam alto consumo energético nada amigo do ambiente.

Depois, custa-me o plástico. São as tendas, os insufláveis, os adereços, as decorações. Sabemos que é um mundo do faz de conta e que há que criar o cenário, mas será que não seria possível fazer de outra maneira? O que acontece a tudo isso quando o evento acaba? Alguns são reutilizados, mas a grande maioria, o que lhe acontece? A nós mandam-nos reciclar, reutilizar e reduzir no consumo. E o resto? Ainda acreditamos no pai natal, eu sei…

O natal, como todas as práticas culturais, é uma construção desde a sua génese. E é natural que evolua e que vá acumulando simbologias e práticas numa sedimentação cultural muito forte. O natal de há 20 anos atrás não seria melhor do que o presente. Cortar o pinheiro na floresta não era melhor do comprar o de plástico.

Mas talvez seja possível pensarmos o que queremos e que podemos fazer na definição dessa prática cultural. Para além do conteúdo da mensagem é o que fazemos com a mensagem. Quem sou eu para dizer que as crianças não devem ter o seu momento de sonho de natal, mas que sonho é esse? Que memórias lhes deixam? O que fica para contar para a geração seguinte?

Mas a viagem continua, até à noite de natal. E a mesa quer-se recheada e bem decorada. Recheada em quantidade, menos em qualidade que a pastelaria anda por muitos maus caminhos. Também os doces de natal não escaparam à indústria que já há muito disponibilizou soluções pré-feitas de sonhos, filhós, beilhós, rabanadas, coscorões, bolos-rei e troncos de natal. Eu sei, as pessoas gostam e as pastelarias garantem doces que são um regalo para a vista.

Mas e o sabor? Não ponho em causa a evolução. Adoro bolo-rei escangalhado. Mas gosto de saber que o dito levou o que era suposto e não é o resultado de um saco com um rótulo gordo em ingredientes químicos.

Na verdade, não queria o natal de antigamente, prefiro o de agora, mas gostava que fosse autêntico. Queria respirar e sentir o natal só porque sim e não porque alguém grita que é natal.

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