Opinião: Unidades locais de saúde – uma concentração de problemas

A primeira Unidade Local de Saúde(ULS) criada em Portugal surgiu em 1999, na sequencia do decreto-lei 207/99, e visava uma integração vertical dos cuidados de saúde permitindo uma melhor articulação entre os cuidados de saúde primários e as unidades hospitalares de determinada região.
O seu principio ideológico, até poderia fazer algum sentido, mas a verdade é que, desde essa data, e após o aparecimento de várias ULS, nenhum estudo conseguiu comprovar o beneficio da sua criação.
Em 2015, a Entidade Reguladora da Saúde realizou um estudo de desempenho das ULS no período de 2011 a 2013, onde foram avaliados a qualidade e rapidez dos serviços, indicadores de eficiência e desempenho financeiro. Tal estudo veio a demonstrar que o tempo médio de internamento nos utentes de hospitais ULS foi superior ao de hospitais não integrados em ULS, bem como verificou-se uma mais baixa percentagem de cirurgia de ambulatório em Hospitais ULS. Tal teve um impacto negativo no desempenho financeiro das ULS quando comparadas com hospitais não integrados em ULS.
O mesmo estudo revelou que um dos aspetos basilares das ULS, que era a integração vertical dos cuidados de saúde não foi conseguido. Não se verificaram ganhos ao nível de coordenação entre cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários, mantendo-se o elevado número de hospitalizações desnecessárias, e não se verificou uma diminuição dos tempos de resposta para a realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, ou de consultas de especialidade. Nem na qualidade de cuidados se verificou uma melhoria, bem pelo contrário. A analise dos resultados dos prestadores aderentes ao Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS) da ERS, revelou que a métrica relacionada com segurança do doente tinha melhores resultados fora das ULS, as restantes – “Excelência clínica”, “Adequação e Conforto das Instalações” e “Focalização no Utente” eram equivalentes dentro e fora das ULS, o mesmo se passando com as reclamações dos doentes.
Um estudo mais recente que analisou ULS entre 2015 e 2018 revelou que o tempo de espera por cirurgia não diminuiu em todas as ULS estudadas, tendo aumentado o tempo médio de internamento, com consequente aumento dos custos dos doentes internados, e com o agravamento do problema no acesso aos cuidados de saúde. O número de queixas aumentou em todas as ULS, sendo a principal fonte de queixas a falta de foco no utente, o baixo nível de humanização e o não respeito pelos direitos dos utentes. O número de urgências hospitalares aumentou em todas as ULS, revelando que não se conseguiu, por este meio, a necessária coordenação de cuidados.
Um estudo recente apresentado em 2022 na revista da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) procura fazer a defesa das ULS, mas conclui afirmando que não existem estudos que comprovem as reais vantagens da ULS após todos estes anos.
Em Coimbra, não satisfeitos com os problemas existentes nas ULS a nível nacional, resolveram ampliar ainda mais os problemas e criar uma Mega ULS. Esta estrutura gigantesca, engloba o já por si enorme Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com os Hospitais da Universidade de Coimbra, o Hospital dos Covões, o Hospital Pediátrico de Coimbra, a Maternidade Daniel de Matos, a Maternidade Bissaya Barreto e o Hospital Psiquiátrico Sobral Cid, mas acrescenta ainda o Hospital Arcebispo João Crisóstomo de Cantanhede, e o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais (Tocha). A este enorme grupo, juntam-se também os seis Centros de Saúde de Coimbra, e os de Cantanhede, Condeixa, Mealhada, Mira, Mortágua e Penacova. Fazem ainda parte da ULS de Coimbra, o Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Interior Norte, que agrupa 14 centros de saúde. É uma área de influência de mais de 350.000 habitantes, e uma área de mais de 7.000 quilómetros quadrados, numa empresa que envolve mais de 10.000 trabalhadores!!! Como se gere isto tudo?
A melhoria na coordenação entre unidades hospitalares e centros de saúde não significa necessariamente fundir as diferentes estruturas ou serviços, mas sim melhorar a prestação de cuidados através da harmonização de processos e informação entre os diferentes serviços.