Opinião: Que médicos andamos a formar?
Tenho a perceção pessoal de que os médicos das gerações mais novas possuem, em média, uma formação e uma qualidade clínica inferior aos de gerações anteriores. É uma perceção que já tenho há alguns anos, mas que foi exposta publicamente por uma Colega com responsabilidades formativas na Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, quando recentemente, numa reunião da Sociedade Portuguesa da Coluna Vertebral, partilhou a mesma preocupação.
Ainda que esta seja apenas uma perceção pessoal, que não posso comprovar com dados objetivos, tal deve-se ao facto de que, ao longo dos anos, tenho mantido atividade formativa no Ensino Pré-Graduado e Pós-Graduado da Medicina, particularmente nas áreas da Anatomia, da Ortopedia e da Cirurgia da Coluna Vertebral. Tenho acompanhado diversos colegas médicos em diversas fases formativas do seu percurso, e tenho detetado falhas importantes na sua formação médica, sobretudo na minha área cirúrgica, tanto ao nível teórico como prático.
Sem querer ser “velho do Restelo”, sem querer generalizar, porque em todas as gerações existiram, e existem médicos melhores e piores, médicos medíocres e médicos brilhantes, é importante analisarmos quais os motivos que possam justificar um declínio da formação médica, num país que durante anos foi referencia nesta área a nível europeu.
Entre os diversos fatores justificativos gostaria de vos deixar aqui alguns que isolados ou em conjunto podem contribuir para o estado atual:
O número de estudantes a entrar para o curso de Medicina aumentou muito ao longo dos anos ( mais de 1800 alunos em 2024, quando em 1990 era inferior a 400 ). A seleção de entrada era por isso maior, e apenas aqueles com elevada capacidade de trabalho ou elevado nível intelectual alcançavam tal desígnio. Hoje os números são diferentes e a seleção é menos rigorosa.
A Licenciatura em Medicina era de 6 anos mais 2 anos de Internato Geral, pelo que os médicos para poderem exercer de forma independente (sem tutela) a sua profissão, tinham de ter um total de 8 anos de formação. Atualmente, devido ao “Acordo de Bolonha”, a Licenciatura em Medicina deu lugar ao Mestrado Integrado de Medicina, mas passou apenas a ter a duração de 5 anos mais 1 ano de Ano Comum (antigo Internato Geral). Ou seja, os atuais médicos, não são apenas licenciados, são já “Mestres”, mas tiveram menos dois anos de formação, antes de entrar nas Especialidades! Não se pode querer ter mais, recebendo menos.
O elevado número de alunos existente atualmente nas Faculdades de Medicina, dificulta o seu ensino numa área eminentemente prática, pois as turmas de 12 ou 15 alunos deram lugar a turmas de mais de 30 alunos, pelo que o contacto com o doente se torna cada vez mais restrito. Por outro lado, é cada vez mais questionada a eficácia formativa do modelo de Aulas “online” praticadas em algumas instituições nalgumas disciplinas.
A abertura de algumas novas Faculdades de Medicina com um corpo docente “emprestado”, não efetivo, pode comprometer a qualidade do Ensino Médico, e, por outro lado, algumas dessas novas Faculdades têm como Hospitais de suporte formativo Unidades com carências técnicas em diversas áreas. Como se ensina aos alunos de Medicina dos anos clínicos noções básicas de Neurocirurgia, Cirurgia Vascular, Cirurgia Cardíaca, ou outras áreas em Hospitais sem essas valências? Como se ensina Imagiologia em Hospitais sem uma Ressonância Magnética ou Medicina Nuclear?
Também no Ensino Pós Graduado existem défices formativos que podem explicar o estado atual das coisas. Foi atribuído há alguns anos a alguns Hospitais Idoneidade Formativa, ainda que parcial, para certas especialidades, apesar de tais hospitais não terem nem uma capacidade técnica instalada, nem uma casuística assistencial em determinadas áreas que lhes permita ser Hospitais Escola, condicionando o nível de conhecimentos e a experiência técnica dos Médicos Internos de Especialidade que ali se estão a formar. Verificou-se aliás que a Ordem dos Médicos tem vindo a retirar, nalguns casos, a Idoneidade Formativa a esses Hospitais, mas entretanto, já saíram “algumas fornadas” de especialistas com carências formativas.
Um outro aspecto é a “Dedicação Médica” , que é algo cada vez menos presente nos cuidados de saúde. O Médico não é um Missionário, devendo por isso ser bem remunerado das suas funções, mas a Medicina deve ser encarada pelo Médico como uma Missão. A Missão de servir, de assistir, de ajudar, é algo cada vez mais difícil de perceber pelos jovens médicos. Não tratamos doenças, tratamos doentes, tratamos pessoas… Quando humanizamos, estamos já a tratar. Precisamos de Médicos que amem a sua profissão, pois tal como disse Steve Jobs, “A única maneira de fazer um excelente trabalho, é amar aquilo que se faz…”
Por último, tendo por base o principio de que “não existem maus alunos, mas sim maus professores”, seremos nós, aqueles que ao longo dos anos tivemos funções formativas, os verdadeiros responsáveis pelas lacunas de formação?
Vale a pena pensar nisto…
Tambem tenho a mesma percepçao.Hoje os médicos são muito tecnicos,pouco observadores do doente,muito convencidos das sua sapiência,valorizam mais a sua qualidade de vida,os seus direitos e so depois os seus deveres.
Devemos ter mesmo culpa na sua formaçao pois houve uma insuflaçao nas suas notas e entao sentem se os maiores.Nap see de o verdadeiro problema é o remoneratório mas sim a qualidade das sua formaçao em todos os sentidos até no ético.
É com grande pena que o digo.Não são piores pagos do que nós o éramos.os valores sim sao muito diferentes
Excelente artigo. Espero e desejo que seja lido por quem tem responsabilidades na matéria, porque só há uma vida e daí precisarmos de médicos muito bem formados.