Opinião – Pepe: Um português de bem
Chama-se Képler, mas toda a gente o conhece pelo nome que usa estampado na camisola: Pepe. Há uns dias, vimo-lo chorar como uma criança na despedida da Seleção Portuguesa do Campeonato Europeu de Futebol. Tudo indica que esta foi a última competição internacional em que Pepe representou o seu país. Quem viu a emoção do jogador na despedida, não pode duvidar do amor daquele homem a Portugal. Um amor que começou no dia em que um homem igual a ele – tão português como ele – lhe estendeu a mão.
A história tem sido contada pelo próprio, várias vezes. Pepe – que nasceu em Maceió, no nordeste do Brasil – chegou sozinho a Portugal, com 18 anos, para vir trabalhar como jogador de futebol, no Marítimo. Na mala, trazia pouco mais do que os sonhos que o fizeram vir até nós. O voo que o trouxe a Portugal fez escala em Lisboa e, ao fim de várias horas de viagem, Pepe estava cansado e com fome. Mas mal aterrou a sua preocupação foi ligar à Mãe, que tinha ficado no Brasil, com o coração apertado, para lhe dizer que estava bem. Antes de embarcar, o pai tinha-lhe dado 50 reais, o que na altura equivalia a 5 euros, ainda em contos. Era insuficiente e ele tinha que escolher: ou ligava à Mãe, a tranquilizá-la, ou comia. Decidiu o que fazer enquanto aguardava, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que chegasse o fax do Marítimo que comprovava que ele podia entrar em Portugal. Ligou à Mãe e o dinheiro acabou. Tinha aterrado às 6 da manhã e o voo de ligação era quase às 11 da noite. Aflito, dirigiu-se a um balcão de fast food do aeroporto e contou a sua história ao funcionário. Disse-lhe que tinha fome, mas não tinha dinheiro. O funcionário não hesitou: foi lá dentro e regressou com uma baguete de atum, votos de boa viagem e boa sorte. O Pepe nunca se esqueceu desta história, que tem contado várias vezes, publicamente, ao longo da sua carreira, sempre com a mesma gratidão e humildade. “Ele ajudou-me”, frisa sempre. “Foi uma coisa que me marcou muito, porque aquela pessoa não me conhecia e decidiu ajudar-me”.
O Pepe lá aterrou, finalmente, na Madeira, jogou três épocas no Marítimo, e depois mudou-se para o Futebol Clube do Porto (FCP), um dos três maiores clubes de futebol nacionais, com o qual teve uma longa, apaixonada e leal história de amor. Naturalizou-se português pouco depois de chegar ao FCP e jogou pela primeira vez ao serviço da Seleção Nacional no Euro 2008. Logo no primeiro jogo desse campeonato, contra a Turquia, marcou um dos dois golos que deram a vitória a Portugal. É quase unânime que Pepe é o melhor central da história do futebol português. Para além disso, é o mais velho jogador de sempre a jogar num Europeu, e o terceiro jogador com mais internacionalizações por Portugal, mas quem o vê o campo mal acredita que isto possa ser verdade. Aos 41 anos, voa atrás da bola com uma força e uma energia que só podem ter um motor: a paixão. Aos 41 anos, e com 90 minutos de jogo nas pernas, consegue correr mais do que um adversário de 26 acabado de entrar em campo – e cortar para Portugal. É impossível não sentirmos a força superior que o faz correr, quando vemos aquela jogada. Este foi o quinto campeonato europeu do Pepe – incluindo o de 2016, que deu o título a Portugal – e quando lhe perguntaram qual era a sensação de estar numa competição internacional, pela quinta vez, aos 41 anos, ele respondeu: “Estou orgulhoso por defender as cores do meu país”.
No final do jogo com a França, que ditou o fim do Euro 2024 para Portugal, antes de ser tomado pela emoção da despedida, já depois do apito final, Pepe reuniu os jogadores e levou-os, a todos, a confortar João Félix, o jogador que falhou o penálti que acabaria por decidir a partida. Depois, desfez-se porque um homem também chora – claro que chora. Acho que aquele choro era um misto de coisas: de felicidade, de tristeza, de emoção. Talvez aquele choro já escoasse um pouco de saudade – daquela rara, que chega ainda antes de as coisas serem ausência. Mas o que eu vi primeiro naquelas lágrimas foi a mesma gratidão daquele primeiro dia, em que um português de bem olhou para ele e, mesmo sem saber quem ele era, soube o que ele era: um miúdo movido a sonhos, que só precisava de uma oportunidade para se apaixonar por Portugal e ser aquilo que todos nós reconhecemos nele. Um verdadeiro português de bem.