Opinião. O que importa é partir…
Enredados no hábito pouco saudável de dizer mal do que é nosso, é bom ouvir os de fora a contrariar essa doentia e apoucante maledicência.
Por isso, aqui recordo o que foi dito na cerimónia de Doutoramento Honoris Causa dos Chefes de Estado de dois dos mais importantes países europeus, num momento singular em 735 anos de História da Universidade de Coimbra.
Motivo de legítimo orgulho para a Escola, mas também para a cidade e para o País, foi escutar os elogios proferidos pelos homenageados: Felipe VI, Rei de Espanha, e Sergio Mattarella, Presidente da República de Itália.
Porque ambos transpuseram a fronteira do mero formalismo e falaram com genuína convicção, focando aspectos relevantes e destacando figuras portuguesas que, com indesejável frequência, não têm, entre nós, o reconhecimento a que fazem jus.
O Presidente Mattarella aludiu, entre outros aspectos, à coincidência do seu País e o nosso festejarem o 25 de Abril como data de libertação (Itália, do regime fascista, em 1945, Portugal, em 1974 ).
“Enfrentámos batalhas semelhantes para que os ideais de democracia, liberdade, respeito pelos direitos dos cidadãos, pluralismo político e repúdio dos regimes autoritários e obscurantistas prevalecessem nas nossas sociedades” – sublinhou Mattarella.
Lembrou depois o ambicioso projeto da Comunidade Europeia, “em que esta prestigiada Universidade participa, formando futuros líderes”. E apontou a conimbricense Teresa Anjinho (há pouco tempo empossada para o relevante cargo de Provedora de Justiça da União Europeia, licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra), afirmando que ela deve servir de exemplo para os estudantes das Universidades europeias.
Quanto a Felipe VI, no seu discurso comparou a importância da Universidade de Coimbra às congéneres espanholas de Salamanca, Alcalá e Santiago de Compostela, e às italianas de Bolonha, Pádua e Nápoles, “cidades cujo carácter não se entende sem a Universidade”. Acrescentou que as dezenas de milhares de estudantes imprimem a Coimbra “uma personalidade jovem, vibrante, cosmopolita e profundamente europeia”.
Destacou depois a amizade e a sintonia neste encontro de países com tanta coisa em comum, salientando três aspectos: o mar, o Direito e a Europa.
Disse que o mar “foi uma oportunidade de abertura para estes três países”, em que “a vocação de navegantes e descobridores nos forjou o carácter”.
Mencionou serem os três países herdeiros do Direito Romano, sublinhando: “Vivemos um tempo em que é muito importante defender o direito frente à força e à arbitrariedade, e como cimento da ordem internacional”.
Quanto à Europa, disse, “o que está em jogo não é o que temos, mas sim o que somos”.
Foi com muita alegria que ouvi depois Felipe VI evocar o nosso Miguel Torga, que classificou como “um poeta, um humanista, um europeu, cuja biografia tem muito a ver também com viagens entre as duas margens do Atlântico”.
Citando um verso do poema “Viagem”, onde Torga afirma “O que importa é partir, não é chegar”, o Rei de Espanha concluiu:
“É isto o que temos de fazer: partir sempre, porque o tempo que nos toca viver é uma constante oportunidade de descobrimento. Se entendermos que este é o momento da Europa unida, não das diferenças, da Europa firme e solidária, não da Europa ensimesmada e remissa, da Europa consciente e orgulhosa do que é para si mesma e para o Mundo, se acreditarmos nesta Europa, teremos ganho o futuro”.
Concordando com o Rei e com Torga, transcrevo mais uns versos deste seu poema:
“(…) Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar”.
Tentemos, sem desânimos, estimular nos mais novos o orgulho pelos nossos maiores. E ajudemo-los a partir para essa urgente aventura que é a construção de um mundo melhor do que aquele que estamos a deixar-lhes…



È un piacere oltre che un onore avere un amico portoghese come te.Peccato la lontananza fisica anche se vi è una stretta condivisione di ideali.A presto Roberto
Well written!