Opinião: O papel das claques no futebol e na política

Nas últimas décadas, as claques de futebol, originalmente concebidas como grupos organizados de apoiantes que iam aos jogos do seu clube favorito apenas para o apoiarem, para conviverem e para se divertirem, transformaram-se em fatores de preocupação e de sobressalto público. As ligadas às agremiações mais populares e antigas são geralmente as mais perigosas, pois não só são maiores como incorporam modos de cultura tribal, associados a práticas, símbolos e padrões de discurso que lhes são próprios, agora claramente pautados pela violência. Legalizadas ou não, nelas se afirmam cada vez mais, a par daquela dimensão lúdica e festiva, formas de coação sobre outros, além de processos orgânicos que têm transformado algumas, ou pelo menos os seus setores “ultras”, em instrumentos do crime organizado.
A palavra claque remete, na origem, para um termo, usado em França a partir do início do século XIX, que designava uma equipe de profissionais organizada para bater palmas (“claquer”) em espetáculos de teatro e de ópera. Por volta de 1820, em Paris, até existiam já pequenas empresas que tratavam de recrutar pessoas para esse efeito. Mais de um século depois, com o surgimento e a expansão da televisão, o termo passou também a designar os grupos de cidadãos contratados para aplaudir ou para rir durante programas populares realizados perante um auditório. Entretanto, este hábito foi ampliado, passando a incluir também grupos de pessoas – sejam elas militantes, apoiantes, fãs ou simples contratados – organizadas para levar a cabo essa atividade em comícios ou debates.
Todavia, conforme aplaudiam, as claques também pateavam. Isto é, exprimiam ruidosamente o seu descontentamento perante um evento, uma ideia, um argumento, um autor ou uma prestação considerada desadequada e que se procurava desacreditar. Esta função do apupo, passara, entretanto, a ser prática comum de tais grupos, se bem que neles possa ser ténue a fronteira que separa a livre expressão coletiva de uma opinião crítica de iniciativas que têm mais a ver com a intimidação e o insulto. Daí, aliás, a sua transposição para práticas associadas à vida política, bem visíveis quando a intervenção da argumentação é inteiramente substituída pelo grito, pela pateada ou pelo aviltamento, por vezes personalizado, de quem se procura contestar e denegrir.
Esta prática foi comum naqueles “tempos sombrios”, dos quais falou Arendt, que assistiram, nas décadas que precederam e acompanharam a Segunda Guerra Mundial, à iniciativa de partidos e movimentos defensores de ideologias totalitárias, em particular os de teor fascista, empenhados em impor uma verdade única e em calar a voz de quem se lhes opunha. Algo a que, neste momento, com a expansão da extrema-direita populista, estamos de novo a assistir. Em Portugal, basta ver como se têm comportado em lugares públicos, incluindo a Assembleia da República, pessoas associadas ao partido Chega. Práticas análogas ocorrem também com franjas radicalizadas da corrente “woke”, que agem em grupo essencialmente pela via da calúnia e do ódio, jamais do argumento e do respeito por quem não pensa da mesma exata maneira.
Como ocorre com as piores claques de futebol, estes grupos procuram impor-se pela arruaça, pela injúria ou pelo ataque pessoal, lançados sobre quem quer que se lhes oponha ou sobre quem os não acompanhe nos seus interesses, convicções e objetivos. Em democracia, seja em nome da liberdade, do Estado de direito ou da mais elementar convivência, estas atitudes de modo algum podem ser toleradas e precisam ser combatidas com a maior atenção e firmeza.
Um artigo muito interessante, que foi estragado pela palavra “woke”. Esta palavra é muito utilizada pela extrema-direita para denegrir todos os movimentos que lutam pelos direitos das pessoas LGBT e pela igualdade de género, e eis que o Prof. Rui Bebiano, que eu sempre tenho associado ao combate contra os extremismos, acaba por cair na tentação de adoptar. É preocupante. Sinceramente, nem se sabe bem o que é isso da “cultura woke”. Nem se sabe bem qual é a sua definição. Uma pessoa na posição do Prof. Rui Bebiano deveria ter mais cuidado com o emprego de termos vagos tais como “woke”. Onde está o movimento ou partido “woke”? Existe mesmo este movimento? Há algum movimento unido em torno de uma ideologia bem definida que se possa identificar como “woke”? Há alguém que se identifique e declare como “woke”? Ou “woke” é apenas mais um daqueles “monstros” inventados pela extrema-direita no geral para colocar o povo em sobressalto no medo de que venha aí uma horda de bárbaros obrigá-lo a mudar de sexo? Antes eram os judeus, agora são os “woke”. É pena que o Prof. Rui Bebiano se tenha deixado influenciar pelo linguajar do Chega (ver abaixo), partido que tanto critica. O momento exige um maior sentido de responsabilidade por parte dos nossos intelectuais.
https://www.facebook.com/watch/?v=524774126753931
Há extremistas em todos os quadrantes políticos, e há quem defenda de forma mentalmente e democraticamente pouco saudável esta ou aquela ideia – e devem ser combatidos! Mas daí a poder-se reunir todas as pessoas que defendem ideias de forma irracional numa espécie de movimento organizado com carimbo “woke” vai uma grande distância. Isso é fazer a vontade à extrema-direita.
Carbonário! Voltaste, caramba! Já te julgava extinto com o novo advento da direita musculada e tudo mais. 🙂
Eu para o crossfit preciso da direita e da esquerda, se não fico com uma assimetria na massa muscular tanto dos membros inferiores, quer superiores. Já que no diz respeito à massa cinzenta, têm-me dado mais treino o que diz e escreve a esquerda férrea, assim como tu, às vezes. 🙂
Os woke parece que existem e por referência aos anti-woke. Se os anti-woke matam patos raros nas reservas naturais de Veneza, os woke defendem o direito à vida desses patos. É tudo uma questão de referência e de denotação. Este woke em particular(tu, Carbonário, que és tanto quanto sou Joana Pimenta) e woke, definição de, com um conjunto de propriedades abstractas. A coisa aqui complica-se mais um pouco porque precisas de um outro referente, o de anti-woke. Com o exemplo dos patos de Veneza fica tudo um pouco mais claro, vais ver. Aqui vai:
https://edition.cnn.com/2025/02/05/travel/video/donald-trump-junior-accused-of-shooting-rare-duck-italy-digvid
https://fieldethos.com/
Cumprimentos,
Joana Pimenta