Opinião – O Leopardo

Publicado postumamente em 1958, meses após o falecimento de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, O Leopardo é o último dos grandes romances novecentistas. O último dos grandes romances.
“É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma”, ao lado de “é preciso que tudo mude, para que tudo fique na mesma”, são o fio condutor de uma narrativa que, sob o horizonte político de uma revolução anunciada, mergulha a fundo nas angústias da condição e da natureza humanas.
Se no devir histórico-político tudo muda para, pouco a pouco, ficar radicalmente igual – na persistência da injustiça e da desigualdade, em particular -, já no tempo da singular e concreta vida humana o tempo escapa ao ciclo do eterno retorno, precipitando as histórias individuais no melancólico caminho do envelhecer, do adoecer, do decair.
Luchino Visconti, logo em 1963, ao passar o romance para a tela, sobrepôs a dimensão existencial da narrativa ao pano de fundo histórico que a anima. Daí que, o filme termine, acabada a valsa com a sensual e juvenil Angelica, com a saída do Príncipe de Salinas do baile, caminhando só na madrugada fria, atravessado por um prenúncio de morte.
A feroz vitalidade de Angelica, a sua beleza imaculada e a sua sensualidade em estado bruto conduzem o Príncipe a um súbito estado de consciência do fatal passar do tempo: Tempus fugit é sinistra revelação a que o Leopardo não pode mais fugir.
Revelação que, não por acaso, constitui a chave de leitura de uma outra adaptação de Visconti, Morte em Veneza, que segue frame by frame a novela de Thomas Mann. O lento cair da areia do tempo no interior da clepsidra é breve e sem retorno, como o compositor Gustav von Aschenbach, tarde de mais, descobrirá na siderada e perturbada contemplação do rosto e do corpo do adolescente Tadzio.
Nas duas obras, e nos dois filmes, a beleza não aparece como antídoto da morte, antes como seu instrumento de revelação e de aceleração.
O radical pessimismo do Príncipe de Salinas, no que ao devir político e à mudança histórica toca, produto de uma sabedoria cínica sobre a imutabilidade da natureza humana, apresenta, no entanto, cambiante mais suavizada quando aplicado ao destino dos que o rodeiam.
Aí, ainda que por brevíssimo instante, pela força telúrica do desejo e do amor, o passo do tempo suspende-se e o ciclo da desolação interrompe-se.
E tudo, mais tarde, fica um pouco diferente.