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Opinião: O espaço que a Camila não teve

29 de junho às 11h31
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Camila Rebelo tem 21 anos, é portuguesa e, há uns dias, sagrou-se campeã europeia dos 200 metros costas, o melhor resultado de sempre de uma nadadora portuguesa em campeonatos da Europa. A atleta, que liderou a prova nos últimos 50 metros, venceu a final nos Europeus Aquáticos, em Belgrado, com um tempo de 2.08,95 minutos, um recorde nacional (o anterior já era seu).

Quando percebeu que tinha conseguido, não queria acreditar. Foi a medo, porque achava que não estava na sua melhor forma. Chegou lá e ganhou – às adversárias e aos receios: sagrou-se campeã europeia, bateu o recorde nacional e o seu melhor tempo, e conseguiu os mínimos para se classificar para os Jogos Olímpicos de Paris. Parece-me um grande feito desportivo. Nunca uma nadadora portuguesa tinha chegado tão longe num campeonato europeu.

Estava à espera que falassem da Camila até à exaustão. Que dessem à sua impressionante vitória, no mínimo, o mesmo espaço e tempo de antena que dão a uma derrota da Seleção Portuguesa de Futebol. Mas não. Ainda pensei que fosse impressão minha, que eu andasse mais desatenta e não me tivesse apercebido da vasta cobertura mediática dada à nossa campeã. Então, fui ao tira-teimas: abri o Google e escrevi “Camila Ribeiro”. Cerca de 1360 resultados. Depois, lembrei-me que era natação. Sabemos bem que para os jornais quase só existe futebol. “Sim, deve ser por ser natação, os nadadores têm sempre menos visibilidade”, pensei. Voltei a abrir o Google: “Diogo Ribeiro”. Cerca de 11200 resultados. E um extra: “Marcelo Rebelo de Sousa elogia caráter vencedor de Diogo Ribeiro”. Porque é que o espaço dado à Camila – e ao seu indiscutível caráter vencedor – é tão contido? Porque é que a Camila tem de se contentar com uma discreta chamada de primeira página? O que é que ela tem a menos do que o Diogo Ribeiro – um atleta tão notável quanto ela? Absolutamente nada.

Camila Rebelo concilia os treinos com o exigente curso de Medicina, que está a concluir na Universidade de Coimbra. Para o conseguir, acorda todos os dias às cinco da manhã e treina sete horas por dia. A atleta é de Vila Nova de Poiares, onde foi recebida há uns dias, nos Paços do Concelho, para uma sessão de homenagem. O Presidente da Câmara agradeceu-lhe: “quando corres, levas um bocadinho de todos nós. Por cada braçada, por cada pernada que dás, há um esforço de cada um de nós. Quando estamos a olhar para ti em competição, estamos todos a torcer para tu conseguires obter o melhor resultado possível”.

Eu não sou de Vila Nova de Poiares, mas junto-me em uníssono à claque da Camila. Quando ela nada leva-me, a mim e a todas as mulheres, às costas. Mas ela não o deve saber, porque nada com a leveza de quem desconhece a responsabilidade que carrega – e à velocidade de um peixe-vela. Aquando das recentes vitórias de Diogo Ribeiro, o Presidente da República, que o saudou publicamente – e muito bem, porque o atleta é, de facto, um dos maiores orgulhos do desporto nacional – frisou que ele era um feito inédito no desporto português. E era. Mas alguém devia avisar o senhor Presidente que o Diogo já não está sozinho nessa montra de notáveis. É que a Camila já não é só a maior atleta de Vila Nova de Poiares: ela é a maior nadadora do país e, também ela, é um feito inédito no desporto português.

Quando perguntaram à Camila o que é que esta vitória representava, a resposta saiu-lhe pronta: “Dá-me ainda mais vontade de trabalhar, para chegar aos Jogos da melhor maneira possível”. A Camila já aprendeu a lição: para as mulheres as vitórias são só um livre-trânsito para trabalhar mais, cada vez mais. E, na verdade, é isso que as vitórias são. Mas não lhe deviam tirar aqueles 15 minutinhos de celebração em ombros, porque ela fez por merecê-los: é uma das maiores atletas portuguesas da atualidade. A Camila foi a primeira portuguesa a subir ao lugar mais alto do pódio, num campeonato europeu de natação. Devíamos recebê-la em braços e com barulho, mas a Terra gira devagar e nunca mais chegamos a esse dia inicial inteiro e limpo. Parabéns, campeã.

O Google tem 1360 resultados para a busca “Camila Rebelo”. São, no mínimo, menos 9840 do que mereces por teres feito história na natação portuguesa. Agora há mais um, porque este espaço, hoje, é teu. É insignificante e muito menos do que mereces, mas é uma honra e um orgulho oferecer-te estes 4000 caracteres. Também graças a ti – a quem só posso agradecer – lá chegaremos ao dia em que as mulheres estarão nas primeiras páginas dos jornais, como tu estás na piscina: como peixes dentro de água.

Autoria de:

Martha Mendes

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