Opinião: O direito à privacidade nas comunicações electrónicas numa e noutra das ribas do atlântico

Um periódico brasileiro de larga difusão noticiou, há escassos dias, algo de surpreendente pelos montantes em causa:
“Telemarketing abusivo: banco é punido pelo Procon-SP com multa de R$13,5 milhões”
O Procon-SP aplicou multa de mais de R$ 13,5 milhões a um banco por descumprir o Não Me Ligue, serviço cujo objetivo é proteger a privacidade dos consumidores paulistas que não querem ser incomodados por ofertas e serviços por telefone, que se sentem desrespeitados pela prática.
A penalidade foi aplicada ao Banco Pan, que realizou ligações de telemarketing a diversos consumidores, passados os 30 dias após inscreverem seus números de telefone no cadastro do Procon. O prazo é previsto por lei para que as empresas deixem de efetuar as chamadas.
A multa aplicada ao banco foi de R$ 13.522.436,17, com base na gravidade da infração e no porte financeiro da empresa, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor, segundo divulgado pelo Procon-SP. O Banco Pan tem direito a recorrer da sanção.
O programa ‘Não Me Ligue’, do Procon-SP, concentra os números de telefone de consumidores que não querem ser incomodados com ligações de telemarketing, e possui mais de 3,5 milhões de inscritos.”
O sistema brasileiro afina pelo diapasão do “op out”: todos os consumidores são potencialmente contactáveis sem que para tanto tenham de dar o seu prévio e expresso consentimento, antes se lhes faculta o direito de se auto-excluírem em listas disponíveis para o efeito.
O sistema português afina pelo diapasão oposto, a saber, o do “opt in”: nenhum consumidor será contactado se não der o seu prévio e expresso consentimento, a menos que inscreva o seu nome em lista de contactáveis que as autoridades mantém abertas e actuais. Com uma excepção, porém: não carece de prévio e expresso consentimento se, em razão de anterior relação jurídica, a comunicação versar sobre produtos e serviços análogos aos adquiridos.
(“O disposto nos números anteriores não impede que o fornecedor de determinado produto ou serviço que tenha obtido dos seus clientes, nos termos da Lei de Protecção de Dados Pessoais, no contexto da venda de um produto ou serviço, as respectivas coordenadas electrónicas de contacto, possa utilizá-las para fins de marketing directo dos seus próprios produtos ou serviços análogos aos transaccionados, desde que garanta aos clientes em causa, clara e explicitamente, a possibilidade de recusarem, de forma gratuita e fácil, a utilização de tais coordenadas:
a) No momento da respectiva recolha; e
b) Por ocasião de cada mensagem, quando o cliente não tenha recusado inicialmente essa utilização.) [Lei 41/2004: n.º 3 do art.º 13-A].
Parece óbvio que o sistema português leva a palma ao brasileiro já que se mostra muito mais favorável ao consumidor, ao não impor que se auto-exclua.
O sistema brasileiro aproxima-se do sistema pátrio no que toca às pessoas colectivas (sociedades comerciais, associações e fundações):
“[A proibição da expedição de comunicações não solicitadas sem prévio e expresso consentimento do assinante pessoa singular] não se aplica aos assinantes que sejam pessoas colectivas, sendo permitidas as comunicações não solicitadas para fins de marketing directo até que os assinantes recusem futuras comunicações e se inscrevam na lista prevista [por lei]. [Lei 41/2004: n.º 2 do art.º 13-A]
Compete à Direcção-Geral do Consumidor manter actualizada lista de âmbito nacional de pessoas colectivas que manifestem expressamente opor-se à recepção de comunicações não solicitadas para fins de marketing directo [Lei 41/2004: n.º 2 do art.º 13-B]
A tutela da posição jurídica dos consumidores, em Portugal, é, com efeito, mais sólida e consequente que a dispensada aos seus pares no Brasil, em se tratando de pessoas singulares, naturais.
No entanto, o SPAM (as comunicações não solicitadas) enxameiam o correio electrónico e as comunicações áudio dos consumidores com uma desfaçatez que força é se reverbere superlativamente.
A violação das regras enunciadas tem, entre nós, uma moldura particularmente expressiva: o leque das coimas estende-se de € 5 000 a 5 000 000 (cinco mil a cinco milhões de euros).
As denúncias recebê-las-á a Comissão Nacional de Protecção de Dados.