Opinião: O Custo dos Medicamentos

Em 2023, a despesa pública com medicamentos foi superior a 1.858 milhões de euros, cerca de mais 200 milhões de euros do que no ano anterior, depois de já ter subido mais de 137 milhões em 2022. Este custo representa agora um pouco mais de 18% da despesa total do SNS. Importa salientar que, além da verba despendida pelo estado, em 2022 os utentes gastaram cerca de 817 milhões de euros do seu próprio bolso na compra de medicamentos, o que representa 30,5% do total gasto.
Os fármacos para o cancro lideram, numa despesa de quase 600 milhões, devido aos custos relacionados com a inovação. Mais de 250 milhões foram gastos só com imunoterapia para o tratamento da artrite e das doenças reumáticas, nos últimos 7 anos. O novo medicamento para a diabetes, Ozempic (semaglutido), agora nova moda no tratamento da obesidade, chegou a esgotar-se nas farmácias. No ano passado, mais de 37 milhões de euros foram gastos só com este medicamento, quando em 2022 a procura já tinha aumentado quatro vezes.
É evidente que das recentes inovações resultaram claros benefícios para os doentes, tanto na melhoria da sua qualidade de vida, como na sobrevivência, com especial relevo para o tratamento dos tumores, alguns dos quais passaram até a ser curáveis. “O custo da inovação é muito bom porque dá-nos mais anos de vida”, afirmou Céu Mateus, presidente da APES – Associação Portuguesa de Economia da Saúde, mas é preciso um equilíbrio que não ponha em causa a sustentabilidade dos sistemas de saúde, principalmente do SNS. Esta investigadora entende que “a rigorosa avaliação económica em saúde é crucial para perceber a relevância das inovações, dispositivos médicos ou formas de prestação de cuidados”.
Mas, nalguns casos o impacto da inovação pode não ser assim tão claro. Xavier Barreto, presidente da APAH – Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, disse que é necessário criar “um sistema que avalie de facto a médio e longo prazo” o “impacto real” da administração destes medicamentos na vida dos cidadãos e com “base num standard de indicadores”. Este dirigente também admite que este aumento da despesa é “absolutamente insustentável” do ponto de vista das contas públicas, mas sublinha que não é possível considerar se é excessivo ou não, dado que não há acompanhamento dos resultados.
O anterior ministro da Saúde, Manuel Pizarro, também já tinha considerado “insustentável” o aumento da despesa dos hospitais com medicamentos, tendo defendido que “tem de haver partilha entre a indústria e o Estado para continuar a garantir a sustentabilidade do SNS”, isso sem que os doentes deixem de ter acesso a medicamentos inovadores. A Comissão Europeia admite que continuam a existir pressões sobre a despesa, nomeadamente com salários, serviços médicos e medicamentos. A utilização racional dos medicamentos é, pois, fundamental para a sustentabilidade do SNS.
Vem aqui à baila a questão dos genéricos vs. medicamentos de marca. Desde 2012, a lei obriga os médicos a passarem as receitas pela substância ativa e não pela marca do medicamento, mas o utente tem direito de escolha de entre os medicamentos que cumpram a prescrição médica. No primeiro semestre do ano passado, a quota de medicamentos genéricos no mercado de ambulatório ultrapassou, pela primeira vez, os 51%. Estima-se uma poupança média de 35-40% com a utilização dos genéricos.
No total, entre 2012 e 2022, os medicamentos genéricos permitiram gerar uma poupança de 5.279 milhões de euros aos cofres do Estado e às famílias. É, pois, fundamental educar a população para o facto de que os genéricos são tão eficientes como os de marca, de outro modo não teriam sido aprovados pelo INFARMED.
Mas, em meu entender, a lei deveria ser modificada de modo a que o uso dos genéricos se tornasse obrigatório para a comparticipação do estado, exceto por razões bem fundamentadas, incluindo os casos em que não há genéricos. Lembremo-nos de que há um período legal de patente nos novos medicamentos, antes de ser possível fazer ‘cópias’. Nesses casos, não temos escolha.
Compete ao médico assegurar a qualidade das suas receitas, pelo que a sua liberdade de prescrição é inviolável, mas isso acrescenta ainda mais à sua responsabilidade de avaliar cuidadosamente o rácio de benefício-custo, com escrupulosa isenção de qualquer influência de natureza económica ou outros conflitos de interesse. Tudo com uma informação tão completa quanto possível ao doente.
Portanto, todos, doentes e profissionais, temos de ser responsáveis. Também para o bem do nosso SNS!