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Opinião: “Fred” e Coimbra cosmopolita

26 de junho às 09h47
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Coimbra é hoje uma cidade cosmopolita – como poucas da sua dimensão.

Para além das vagas de turistas que diariamente inundam a zona da multissecular Universidade, aqui vivem, trabalham e estudam muitos cidadãos de todo o Mundo.

Considerando apenas o que respeita aos estudantes, dados oficiais relativos ao anterior ano lectivo revelavam que dos mais de 32 mil alunos inscritos na Universidade de Coimbra, cerca de 20% (exactamente 6 433 ) eram estrangeiros, provenientes de 123 países!

Se a estes juntarmos largas centenas que frequentam as várias escolas do Politécnico e os institutos privados, bem como os docentes e os investigadores residentes e os milhares de imigrantes que trabalham nas mais diversas áreas, observamos uma grande (e exemplarmente harmoniosa) comunidade multicultural.

Trata-se, porém, de um fenómeno relativamente recente.

Antes da Revolução de Abril de 1974, era escasso o número de estrangeiros que para aqui convergiam.

Excepto nos meses de Verão, em que se aventuravam alguns turistas, mas principalmente muitas dezenas de alunos atraídos pela fama do Curso de Férias da Faculdade de Letras, que agora está a comemorar um século de existência.

Ao longo destes cem anos, foram milhares de cidadãos, das mais diversas origens, profissões e idades, que demandaram a Faculdade de Letras para, durante algumas semanas, aprenderem a língua e adquirirem conhecimentos sobre a cultura portuguesa – quer nas aulas na Faculdade, quer nas visitas de estudo que as complementavam.

Em troca, esses milhares de estrangeiros foram enriquecendo Coimbra com muitas e bem variadas formas de ser e de estar no Mundo, contribuindo para reforçar o carácter verdadeiramente universal da prestigiada Escola.

Enquanto jovem jornalista, nos finais dos anos 60 e década de 70 acompanhei de perto as diversas edições desse Curso, entrevistando estudantes vindos dos “quatro cantos do Mundo”. Alguns deles reincidentes, para aprofundar saberes; outos prometendo voltar, para repetir sabores – e todos rendidos aos encantos das nossas terras e das nossas gentes, com que foram estimulando compatriotas para lhes seguirem o exemplo.

E é por força dessa minha experiência, marcante em termos profissionais e pessoais, que hoje quero aqui prestar homenagem singela a uma personalidade singular, que ao longo de duas décadas (entre 1955 e 1975 ) foi responsável pelo excelente Curso de Férias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Refiro-me a Alfredo Fernandes Martins “Fred” para os seus muitos amigos, que foi ilustre Professor daquela Faculdade e um dos mais reputados geógrafos portugueses.
(“Fred” era filho do advogado Alfredo Fernandes Martins, que igualmente bem conheci, e que foi o líder da “revolta” levada a cabo em Coimbra, em 1920, para reivindicar melhores instalações para a Associação Académica, e que ficou conhecida como “Tomada da Bastilha”).

Sobre “Fred” permito-me citar, com a devida vénia, uma pequena passagem da conferência proferida pela sua discípula, Doutora Fernanda Cravidão, na Academia das Ciências de Lisboa, na homenagem póstuma que ali decorreu em 2016, no centenário do seu nascimento:

“Para muitas gerações, Fernandes Martins foi o Geógrafo. O Mestre. O Pedagogo. O Homem de Cultura, mas também o Cidadão que ambicionava por uma sociedade livre e solidária. Na linha de António Sérgio, transmitiu sempre a íntima relação entre o saber e a liberdade”.

Na mesma sessão, outro Professor da mesma Faculdade, Doutor Lúcio Cunha, leu o seguinte excerto de um texto alusivo a Coimbra, da autoria de Alfredo Fernandes Martins:

“Deste jeito – e se amar é conhecer –, amo a esta Coimbra, berço meu, de um amor reflectido e sereno, amor que me vem da meditada interpretação plástico-geográfica da paisagem, do que sei do evoluir do aglomerado urbano no curso das idades, da admiração da actividade fecunda dos seus filhos, da inteligência do que tem sido o contributo da cidade para a vida colectiva da Grei”.

Falecido em 1982, “Fred” já não conheceu a Coimbra pluricultural que hoje existe, mas para a qual ele deu significativo contributo, não só através dos Cursos de Férias, mas também com as suas lições e com as obras que publicou – de que destaco aquela que ainda hoje é uma referência internacional, intitulada “O Esforço do Homem na Bacia do Mondego”.

Aqui ficam algumas das muitas razões que justificam esta homenagem, simples mas sentida, nela envolvendo também todos os demais que, ao longo de um século, foram construindo o prestígio do Curso de Férias, e ainda os actuais dirigentes da FLUC, que em boa hora decidiram comemorar a notável efeméride.

Autoria de:

Jorge Castilho

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