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Opinião: Entre a negação e a naturalização do colapso ecológico

31 de maio às 10 h38
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“Perdemos a nossa aldeia”, disse Blatten, autarca nos Alpes suíços, depois de lama e rochas soterrarem o povoado de Schwanden, resultado do colapso de um glaciar. A tragédia parece longínqua, mas é um mais um aviso. Desta vez muito próximo. O chão cedeu. A terra desfez-se. O clima aqueceu. E o que fazemos? Negamos. Silenciamos. Fingimos que não é connosco. Mesmo perante a evidência, continuamos à procura de causas excecionais que justifiquem o que aconteceu – ignorando o que há muito se sabe, o que os cientistas têm dito insistentemente e que muitos continuam a negar, agarrados a um modo de vida que já não é sustentável. Um modo de vida que precisa de ser substituído por formas mais justas, regenerativas e estruturalmente capazes de transformar o nosso futuro coletivo.
E é esta imagem de uma aldeia soterrada nos Alpes, no coração da Europa rica, que nos deve abalar. Porque se acontece ali, pode acontecer em qualquer lado. A nossa casa comum, a terra, já não suporta a cegueira de quem governa em nome de um crescimento que tudo consome.
O que quero pontuar aqui é o facto de estarmos a assistir a uma viragem inquietante: os alertas científicos são cada vez mais estridentes, mas o discurso político e mediático, em muitos países, recua para zonas sombrias de negacionismo. A cada catástrofe natural que nos dão a ver nos mass media, corresponde um silêncio cúmplice ou uma retórica que desvia a atenção, que conduz a uma naturalização perturbante das alterações climáticas. Em vez de ações estruturais, empurram-se responsabilidades, duvida-se da evidência, reaviva-se a ideia absurda de que a crise climática é exagerada, ou mesmo inexistente, e que é possível continuar a extrair recursos naturais indefinidamente.
Estamos a entrar num novo ciclo de negação climática autoritária, disfarçada de liberdade de opinião. Como se dizê-lo bastasse para acabar com elas! Neste caso, esse efeito de verdade pode funcionar nas nossas cabeças, dentro de nós, mas não vai funcionar fora dela. Ou seja, na realidade, as consequências das alterações climáticas vão continuar a aprofundar-se e cada vez mais. A verdade científica tem vindo a ser atacada como “agenda ideológica”. Os factos são confundidos com “narrativas”. Os partidos de extrema-direita crescem à boleia de um ressentimento alimentado pela desigualdade e pela perceção de perda – mas não oferecem soluções. Oferecem medo e retrocesso.
Negar as alterações climáticas, hoje, é um ato de violência civilizacional. É escolher deixar soterrar mais aldeias. É optar por uma economia que extrai até ao colapso, que lucra até à escassez, que só vê madeira onde há floresta, lucro onde há terra, etc. Queremos poder viver. Queremos poder respirar. Queremos manter a dignidade de ter futuro.
O que está em causa não é o nosso conforto. É a nossa sobrevivência. O coro das catástrofes começou a desfilar e não mais vai parar. Mas além destas catástrofes dignas do nome, há os impactos que se fazem sentir e se vão exacerbar, já visíveis de múltiplas formas.
Precisamos de um novo sistema – mas este sistema não se pode basear em notícias falsas que circulam como verdades inabaláveis que nos tentam conduzir para regimes onde a liberdade não é um dado adquirido e a ignorância domina. Nem regressar a formas mais elementares de sobrevivência na terra. Precisamos de um novo sistema que rejeite a exploração direta e desenfreada e abrace a regeneração como princípio e fim. Um que não se construa sobre o esgotamento dos solos, dos corpos, da vida. Um sistema que proteja a natureza, não por caridade, mas por inteligência ecológica e justiça intergeracional. A vida não é negociável, nem tampouco o futuro.

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