Opinião: Desejos de Ano Novo

Eu gostava que o mundo girasse menos à volta das redes sociais. Aqui de uma pequena e remota aleia de Trás-os-Montes sinto com nitidez a troca insensata e perigosa que a humanidade vem fazendo. Olhar olhos nos olhos em vez de olhos no ecrã, ouvir em vez de escrever, reagir à queima-roupa em vez de esperar pelo próximo WhatsApp, incorporar nesta dinâmica humana o resto do ecossistema natural, ou seja, tudo o que se passa à nossa volta e que nós não controlamos em vez de sermos bombardeados com o resultado dos algoritmos que os nossos dedos todos os dias constroem.
Temo que não seja fácil ao ver o aplauso e a excitação com que o mundo parece receber a ambição integradora, manipuladora e ditadora de Elon Musk que quer fazer da sua rede X o centro nevrálgico e universal das comunicações digitais. Lembro-me de Hannah Arendt e da banalidade do mal. Mais uma vez parece que não o reconhecemos, ao mal, esse mistério destruidor, e metodicamente concorremos para que se corporize.
Eu gostava que não desperdiçássemos nada. Gostava que não fosse preciso políticas públicas difíceis e burocráticas para que os nossos campos fossem mais cultivados, para que não precisássemos de comprar tomates, batatas ou maçãs. E gostava que quem as vende procurasse por elas aqui, em Portugal, porque ajudava a motivar e porque são melhores. E, já agora, acho que não me importava de pagar um bocadinho mais por isso. Era só preciso que os grandes grupos distribuidores percebessem que resultados não são só dinheiro.
Eu gostava que Portugal fosse menos centralizado. Que a Junta de Freguesia da pequena aldeia onde me encontro pudesse limpar as margens do seu rio sem ter de esperar que um determinado Ministério longínquo, pesado e demasiado demorado viesse cá despejar um grupo de trabalhadores do Bangladesh a quem, espantada, encontrei no Verão a desmatar as margens. Demorei meia hora e muitos gestos a perceber quem eram e o que faziam e tive de desistir de lhes oferecer uma água ou um café com bôla tal o ar assustado e esquivo com que me “falaram”.
Eu gostava que todos conseguíssemos ser mais tolerantes, não tivéssemos uma coisa a que chamam “agenda”, não gritássemos, nem em casa nem na Assembleia da República e tivéssemos humildade e paciência para construir todos os dias, devagarinho, mas firmemente um mundo melhor!!
Por que será tão difícil??