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Opinião: De Patrinus Praxis

18 de setembro às 11h44
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Chegam, por esta altura do ano, dos vários pastos do país, as novas manadas Caloirais para encher os assentos dos vetustos anfiteatros da Universidade. Uma das questões mais frequentes com que se deparam os Caloiros no início do ano lectivo tem a ver com a figura do Padrinho de Praxe, que (tanto para bem como para mal) tem evoluído com o sabor da sociedade e dos tempos.

In Illo Tempore, o Padrinho era um estudante mais velho, normalmente já Quintanista ou Veterano, que a pedido dos progenitores do Caloiro, ou por conhecimentos familiares mútuos, acompanhava o Fauno na integração da sua nova vida. Muitas vezes viviam na mesma casa, e, em troca da proteção e conhecimento, o Vertebrado pagava “o prego” ao Padrinho, na forma de merendas ou de serviços domésticos.

Já o Padrinho auxiliava na escolha do Lente mais amistoso, dava o “tecto” da sua pasta de Quintanista para proteger do Canelão e ensinava os caminhos fortuitos para evasão das Trupes. O Padrinho era o pilar da sobrevivêcia Caloiral.

A relação Padrinho-Caloiro sempre foi uma de grande organicidade. Isto é, originava-se naturalmente, fruto de barreiras ou acontecimentos que convinham à criação duma simbiose entre duas pessoas anteriormente não relacionadas. Por esta razão, é que, mesmo sendo uma figura existente na Praxe muito anterior ao próprio Código, nunca se achou por bem prever ou regulamentar a interação Padrinho-Caloiro. Por ser uma relação estritamente íntima e do foro interpessoal, qualquer regra normativa que se impusesse iria retirar deste fenómeno a sua componente orgânica e essencial. Iria ocorrer uma limitação forçada da proximidade entre pessoas, tornando o fenómeno menos puro e mais artificial.

É então com pena que constato o estado actual dos “apadrinhamentos” de Praxe. Com a alteração do ecossistema social e praxístico, muitas dessas funções tornaram-se obsoletas e o critério preferencial do Padrinho alterou-se. Prefere-se o Padrinho, ou Madrinha, famoso, cheio de seguidores, convenientemente atractivo/a, carteira funda e, quiçá, tacho cómodo no associativismo local. Escolhe-se alguém, não por admiração ou bom exemplo, mas por gabarito. Para acrescentar confusão ao fenómeno, muitos cursos patrocinam uma “praxe especial” em que definem precisamente hora, data, modo e local para os apadrinhamentos, tornando esta prática num show para as redes sociais. Com isto, artificializa-se o gesto, que se quer livre e pessoal. Força-se uma escolha, com uma data de começo e fim, ao invés de deixar crescer raízes para uma amizade frutífera.

Um Caloiro não vai chumbar por falta de Padrinho, ou ficar por baptizar na Latada. Mas um Caloiro com um mau Padrinho irá tendencialmente ser prejudicado por negligência ou desinteresse. Como reacção a este artificialismo de Padrinhos apareceu outro, que é o dos “pseudo-Padrinhos”, visível na leviandade com que se divorcia do primeiro Padrinho em troca dum segundo ou terceiro “pseudo”.

A relação Padrinho-Afilhado deixou de ser uma de confiança, para passar a ser uma vaidade. Tanto para o Afilhado, que tem 3 ou 4 padrinhos que o atiram sucessivamente com água do rio Mondego para a cara, como para os “Pseudos” que se vangloriam da cáfila que lhes segue para “clout” social.

O dilema do Conselho de Veteranos passa precisamente por decidir sobre se deve deixar o fenómeno permanecer liberatório entre as pessoas, levando a um superior afastamento do simbolismo e significado original, ou intervir, sob risco de não conseguir criar uma prática que agrade a todos e que será, invariavelmente, polémica e contestada.
Mas até ver, há concordância num ponto: A existência de “Pseudos” não é um falhanço da Praxe; É do Padrinhos.”

Autoria de:

Matias Correia

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