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Opinião: De mathematica problematicae

13 de novembro às 12h05
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Para a minha crónica de hoje, vou divergir do meu manto de Dux Veteranorum e envergar a capa estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Remeto aqui o meu discurso, proferido no 252º aniversário da FCTUC sobre a problemática da falta de candidatos para preencher as vagas de Ciências no Ensino Superior.

Este “fenómeno” é, a meu ver, contra natura e paradoxal numa sociedade que cada vez mais se torna tecnológica. É contrário à intuição que, no panorama nacional, os cursos com melhores taxas de emprego e salários sejam precisamente aqueles que fiquem com vagas por preencher.

Devido ao tempo que este tópico, infelizmente já tem, tive a oportunidade de participar não só na sua análise, como na discussão per se, e, não por escassez vezes, eram tecidas considerações que colocavam em causa o trabalho e capacidades da nossa Faculdade. Nada mais natural, nem de mal algum tem este exercício de introspecção. No entanto, a percepção que eu sempre tive sobre as causas deste fenómeno indicavam-me sempre sobre a sua externalidade no que respeita à nossa Faculdade. Assim decidi tentar abstrair a análise do nosso jugo local, e caminhar para montante do problema, nomeadamente ao nível da estrutura do nosso Ensino obrigatório. Desta análise, resultou a seguinte hypothesis que vou apresentar: A falta de candidatos para as Ciências no Ensino Superior deve-se à secundarização da matemática como disciplina do ensino obrigatório.

Panorama: A entrada do ensino superior dá-se através das provas de ingresso sendo que, para o que concerne à Faculdade de Ciências e Tecnologia é exigido na esmagadora maioria dos cursos matemática A. Sucede-se que, chegados ao ensino secundário (e noto, que esta chegada ocorre no fim do 3º ciclo, no 9º ano) os alunos são confrontados com cursos científico-humanísticos com matemática A, matemática B e Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS).
Expositio Argumentum:

Em 2014 realizaram-se um total de 91k exames de matemática (A, B e MACS), sendo que desses, 75k ( 81.8%, mais de três quartos) foram de matemática A, havendo portanto cerca de 75k candidatos aptos a concorrem às ciências.
Passado dez anos, em 2024, o número total de exames de matemática desceu quase 30k ingressos para um total de 63.086 provas. Sendo que desses somente 43k é que foram de matemática A. Ou seja, o número de candidatos para serem partilhados não só com as Faculdades de Ciências, mas também de economias e medicinas, desceu de 75k para 43k. Acresço outro dado já mencionado: Se dantes 81.8% dos exames totais de matemática diziam respeito à matemática A, em 2024 o rácio de matemática A versus outras matemáticas desceu 12% ( 69.4%). In sumus, não só temos um menor número absoluto de alunos em matemática, como, dos que fazem exame à disciplina, menor é o rácio dos que se propõem a seguir uma matemática que lhes abra caminho para as ciências, notável através do crescimento relativo de ingressos feitos em matemática B e MACS em detrimento da matemática A. Outra prova: esta anedótica e sem cunho científico; mas compare-se o número de turmas de ciências no secundário hoje e de há dez anos atrás. Eu quando sai do meu secundário eram três as turmas de ciências, restando hoje meramente uma. Os Departamentos da Faculdade e os Núcleos bem que se podem desdobrar nas visitas às escolas, simplesmente a “pool”, isto é, a reserva de potenciais candidatos é menor.

Os alunos não estão a escolher matemática. Fogem dela.

A armadilha desta questão é que esta decisão não ocorre no secundário quando os alunos já têm alguma preocupação e expectativa sobre o seu futuro laboral, mas sim, é forçado no fim do 3º ciclo. É precisamente no 9º ano aquando da introdução das letras nas equações, das fracções subtraídas ao quadrado, do aparecimento das tais sete cabeças da matemática em que é colocado ao aluno, de 13 anos, que nada sabe, nem quer saber sobre o panorama das taxas de emprego e salarial nacional o dilema de: “olha agora tens aqui à escolha três matemáticas”. Os maiores critérios para a escolha de cursos científico-humanísticos no secundário são: “a escola para onde vão os amigos do meu filho” e “a matemática que ele vai apanhar”. E o que passa na penumbra desta decisão é o peso que esta escolha vai ter, passado 3 anos futuros, nos possíveis caminhos de ingresso no ensino superior.

In Concludio: Temos, no nosso sistema de ensino básico, um gargalo, ‘bottleneck’, ao nível das matemáticas que automaticamente está a fazer uma triagem sobre quem pode ou não seguir ciências no futuro. E este bottleneck ocorre numa altura em que nem os alunos têm maturidade, nem os encarregados de educação têm o contexto suficiente para antever as limitações que a escolha dum curso sem matemática A coloca no futuro dum aluno. É imensamente raro um aluno que, estando já num curso com uma matemática secundária, achar-se capaz ou corajoso para enveredar pelo desafio de enfrentar um exame de matemática A. O risco é imenso. Logo à partida, existe o estigma de que se começou numa linha de partida diferente. E se chumbar? Fica mais um ano e os pais nem querem pensar nisso! O importante é seguir para o Ensino Superior, portanto, por mais gosto e aptidão que o aluno até possa ter adquirido pela robótica, computação ou números gerais, a sua escolha feita três anos antes leva-o a totalmente desconsiderar sequer a hipótese de ingressar num curso que exija matemática A.

E, se inicialmente este sistema de escolha curricular estava pensada para uma maior adaptabilidade dos alunos, a longo prazo resultou num indavertido sentimento de sectarização da matemática que, em última instância vem desaguar numa reserva de candidatos disponíveis cada vez mais reduzida para as ciências do Ensino Superior.

Para terminar, e dirigido a quem tem governabilidade para tal e mérito próprio para influenciar tais decisões:

Ninguém pensa que um número é superior a outro, mas criou-se um estigma inadvertido, de que uma matemática é mais dificil e exigente do que outra. E numa sociedade que cada vez mais se afasta da exigência e do desafio, estas “bondades” de “adaptar o programa curricular” ao aluno acabam por dar azo ao facilitismo e ao “despacha”. A matemática é uma disciplina basilar das ciências, da sociedade, do Universo. Tem que ser aprendida por inteiro, e não parcialmente, sob risco dos que a têm pela parte, não se acharem dignos da sua totalidade e não só a descuram, como acabam por a descartar de todo. E, aceitando que este sentimento é subjectivo e não absoluto, o factual é que é visível através do número de provas de ingresso e nos ficheiros “excel” de colocados do Ensino Superior a redução de candidatos às ciências. É preciso reponderar os efeitos que a tripartização da matemática, ou o facilitismo com que se lidado com ela, têm hoje em dia e vão ter no futuro da nossa sociedade. É naturalmente um caminho de maior exigências, mas relembro que foi através da matemática A que se conseguiu apanhar um foguetão com dois pauzinhos. Per Aspera Ad Astram!”

Autoria de:

Matias Correia

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