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Opinião: As responsabilidades na limpeza do espaço público

08 de junho às 10h11
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Quem percorre a pé as ruas de Coimbra já deve ter notado que a cidade não se destaca pela sua limpeza. Lixo e detritos espalhados pelas ruas e passeios criam um cenário de abandono e decadência. Mas quem devemos responsabilizar por esta situação?
Normalmente, a responsabilidade é atribuída à “falta de civismo” de alguns munícipes ou à “negligência” das autoridades. É também comum ouvirmos argumentos sobre corresponsabilização, ou seja, uns sujam quando não deviam e outros não limpam quando é sua obrigação.
Sem questionar a validade desses argumentos, a questão da limpeza urbana (ou da falta dela, no caso de Coimbra) é mais complexa do que à primeira vista pode parecer.
Há mais de meio século, o sociólogo Henri Lefebvre elaborou o conceito de “produção social do espaço.” A ideia central de Lefebvre é que o espaço urbano não se resume a mera estrutura física, mas resulta de uma construção coletiva que implica processos contínuos de diálogo e de contestação. A limpeza (ou sujidade) do espaço público resulta, assim, de uma complexa negociação entre vários atores, incluindo alguns que geralmente não são considerados numa análise superficial da questão.
Tomemos o exemplo do dilema de testemunhar alguém a atirar uma beata de cigarro ao chão. Embora desaprovemos esse comportamento, evitamos confrontar quem o faz. Essa relutância pode ser motivada pelo receio do conflito, pela crença de que não é nossa a responsabilidade da repreensão ou pela perceção de que tais comportamentos exigem abordagens sistémicas. Quaisquer que sejam as nossas motivações, o nosso silêncio acaba por legitimar esses comportamentos que contribuem para o estado de abandono que nós próprios lamentamos.
A nossa responsabilidade estende-se à esfera dos serviços de limpeza. Em Coimbra, esses serviços, financiados com nossos impostos, são fornecidos pela Câmara Municipal em algumas zonas da cidade e pelas juntas de freguesia noutras. Uma característica distintiva deste esquema é a disparidade na frequência e na qualidade da prestação do serviço. Enquanto ruas e passeios do centro são varridos diariamente, outras áreas periféricas recebem apenas limpeza esporádica e, muitas vezes, superficial.
Essa discrepância na qualidade do serviço reflete uma injustiça tributária e afeta a nossa qualidade de vida. Todos contribuímos para a limpeza na mesma proporção, mas apenas alguns recebem o serviço de forma adequada. O munícipe que pagou por um serviço esporádico e negligente só tem, portanto, duas alternativas: pode aceitar passivamente a situação, ou pode contestá-la, reivindicando melhorias. No primeiro caso, torna-se novamente um involuntário e tácito legitimador do estado de abandono do espaço urbano. No segundo, deparar-se-á com um sistema burocrático pouco permeável à queixa e com resultados incertos e demorados. Optar por esta alternativa, embora desafiadora, é fundamental para garantir o nosso direito a uma cidade limpa e saudável.

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