Opinião: À Mesa com Portugal – QB, na cozinha e na vida

Sempre gostei da noção do qb. Na cozinha, pode ser o limiar entre um sabor de sonho ou de inferno, entre o equilíbrio e o desequilíbrio. Por isso, as nossas mães e avós falam de umas areiazinhas de sal, de um golpe de vinagre, de uma pitada de cominhos, de um ar de queimoso, o quanto baste para que tudo possa estar no lugar certo.
É mesmo muito poderosa a ideia do QB. Mas se ó é na cozinha, quer-me parecer que o é ainda mais na vida. Dizia a minha avó que “tudo o que é demais é moléstia”. Na dose certa, as emoções positivas ou negativas podem ser sinal de sobrevivência, empurrão para a coragem necessária, impulso para aproveitar as coisas boas da vida, capacidade para suster o excesso. Em demasia ou em carência, pode significar o naufrágio, pode ser o resvalar para a infelicidade.
Querer não significa poder, ao contrário do que referem as vozes que ecoam os caminhos visíveis e invisíveis para a felicidade. No mundo das emoções e dos sentimentos, conseguir o ponto perfeito, o qb emocional é de uma dificuldade extrema. Porquê? Porque ao contrário de uma receita em que o ponto de sal, de picante, de doce, de azedo ou de amargo, parece estar determinado por um padrão de sabor que do coletivo ao individual se vai definindo, nas emoções é sempre difícil perceber o qb. Dos laços de sangue aos de coração, o sentir parece estar sujeito ao emocional, um limbo em que o discernimento baixa a guarda e segue o seu próprio caminho onde a paixão escorrega e passa do prazer à dor. Deve ser por isso que “paixão” pode ter significados tão díspares.
Gosto mesmo muito da ideia de qb nas emoções. Persigo esse qb, mas nem sei se tal não será irreal, pois talvez seja impossível de atingir. Entre o passo à frente e o passo atrás, vivemos. Sentimos o excesso, a falta, o mais, o menos, provamos a alegria ou a tristeza, a coragem ou o desalento, o gosto da conquista ou o arremesso do que se quer ter. Pelo meio, percebemos a têmpera, a nossa e a dos outros, encontramos o espaço que temos e queremos para nós. Buscamos, na ânsia do qb. Mas a vida é feita de pessoas e o qb não condiz com a variabilidade com que cada um é feito, não condiz com o excesso de emoção que, muitas vezes, temos de pôr na ambição para conseguir, ou no refreamento que temos de ter para parar algo que pode não ser bom.
Entre a sedutora acalmia do qb e a irrealidade de o atingir, sigo na interrogação da vida.